Desde que o governo federal regularizou, em dezembro de 2023, as apostas de quota fixa — as bets —, pelo menos 77 municípios brasileiros aprovaram leis para criar suas próprias loterias com cassino online. Esse movimento, no entanto, é considerado irregular pelo governo federal.
Um levantamento realizado por uma reportagem do g1 sobre as loterias municipais aponta que:
- Três das cidades tiveram leis aprovadas, mas ainda não foram sancionadas pelos prefeitos para entrarem em vigor;
- 39 leis foram sancionadas por prefeitos, mas ainda não avançaram;
- 17 prefeituras estão em fase de estudo ou de implantação da loteria;
- 17 municípios estão na última etapa: aguardam a conclusão de editais ou licitações para contratar empresas que irão operar as loterias e/ou bets;
- e uma está em funcionamento, em Bodó (RN).
Dos 77 municípios com leis sobre loterias, 10 querem operar especificamente bets — como são chamados os sites que oferecem as apostas de quota fixa. Enquanto outras contemplam diferentes jogos, como sorteios de dezenas em datas e horários definidos.
No RN, 11 aguardam aprovação de lei para criação de loterias próprias: Angicos, Apodi, Encanto, Itaú, Jaçanã, Lages Pintadas, Portalegre, São Bento do Trairi, São Vicente, Tibau e Venha Ver.
O objetivo das prefeituras, segundo os documentos consultados pelo g1, é gerar arrecadação de forma prática e rápida para financiar serviços públicos, como saúde, educação e assistência social. Algumas leis municipais definem taxas sobre as empresas que operarem os jogos, que variam entre 2% e 5%.
Apesar do avanço dessas iniciativas por parte dos municípios, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, considera que é irregular a criação dessas loterias municipais.
A pasta afirma que a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, define que apenas a União, estados e o Distrito Federal podem explorar esse tipo de serviço. No texto da lei, municípios não são citados.
Além dessa lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2020 que a União não tinha exclusividade na exploração de loterias e estendeu esse direito aos estados. A partir disso, especialistas consideram que a falta de uma legislação sobre as cidades brasileiras abriu brecha para uma livre interpretação.
Bodó-RN
Até agora, apenas uma cidade colocou seu projeto em prática e tem loteria em funcionamento: Bodó, no Rio Grande do Norte. A Lotseridó foi sancionada em 3 de julho de 2024, pelo prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD).
As empresas que desejam operar jogos virtuais precisam se credenciar na plataforma do município, enviar relatórios mensais detalhados sobre transações e repassar 2% da receita bruta obtida. Conforme a lei aprovada, o montante arrecadado será destinado a programas de assistência social e desenvolvimento local
Bodó autorizou 37 empresas a operar loterias municipais. Nenhuma dessas empresas está autorizada a prestar o serviço pela Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.
O governo federal informou que disponibiliza, em seu site, a lista de empresas de apostas de quota fixa autorizadas a funcionar em âmbito nacional. E notifica e solicita a derrubada pela Anatel à medida que identifica sites irregulares que ofereçam apostas ou loterias.
Bodó tem 2.363 habitantes e credenciou 38 casas de aposta — número que representa uma empresa para cada 64 moradores. À época, a prefeitura afirmou que as empresas pagaram uma outorga de R$ 5 mil e que a autorização é exclusiva para operações dentro do limite geográfico do município.
O g1 questionou novamente a Prefeitura de Bodó sobre o valor arrecadado desde o início da loteria municipal e o motivo de ter liberado empresas que não são autorizadas pelo Ministério da Fazenda, mas não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.
O Ministério da Fazenda notificou a prefeitura em fevereiro com alerta de que a prática de concessão de registros para apostas fere a legislação vigente sobre loterias no país.
g1
Encanto já aprovou e sancionou, infelizmente.
O avanço das apostas online está sugando o dinheiro que antes circulava nas cidades. O que deveria ir para o mercado, padaria, salão, oficina e pequenas lojas está indo direto para plataformas estrangeiras de apostas — sem gerar emprego, produção ou retorno local.
O resultado é visível: queda nas vendas, aumento da inadimplência e fechamento de comércios.
Cada real apostado é um real a menos girando na economia da comunidade. As pessoas estão trocando o consumo básico por tentativas de lucro fácil, e quando perdem, deixam de pagar contas e dívidas.
O dinheiro que movimentava o bairro agora desaparece em segundos num clique — uma drenagem silenciosa que empobrece cidades inteiras e ameaça o sustento de quem vive do trabalho real.