Cientistas anunciaram no início da tarde desta quinta-feira nova detecção de ondas gravitacionais, distorções no espaço-tempo provocadas pela movimentação de objetos supermaciços previstas pela Teoria da Relatividade de Einstein há mais de cem anos, mas só observadas pela primeira vez em setembro de 2015. Esta é a terceira ocasião em que o experimento Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser, na sigla em inglês, e na verdade composto de duas instalações localizadas nos estados americanos de Washington e Louisiana) registra a passagem destas ondas pela Terra, acontecida em 4 de janeiro último.
Desta vez, o evento de origem do fenômeno, no entanto, seria o mais distante observado até agora, a fusão de dois buracos negros num objeto do mesmo tipo com massa cerca de 49 vezes a do Sol ocorrida a 3 bilhões de anos-luz. Nas vezes anteriores, o Ligo registrou ondas gravitacionais também resultantes de fusões de buracos negros que deram origem a objetos com 62 (a primeira detecção) e 21 (a segunda) massas solares, ocorridas respectivamente a 1,3 bilhão e 1,4 bilhão de anos-luz de distância.
— Temos nova confirmação da existência de buracos negros com massas estelares maiores que 20 vezes a massa do Sol, objetos que não sabíamos que existiam antes do Ligo detectá-los — destaca David Shoemaker, cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no EUA.
Shoemaker foi recém-eleito porta-voz da Colaboração Científica do Ligo (LSC, também na sigla em inglês), que reúne mais de mil cientistas de todo mundo na pesquisa de onda gravitacionais em conjunto com a Colaboração Virgo, outra equipe de pesquisadores que também usa um interferômetro a laser, mas instalado perto de Pisa, na Itália, na detecção do fenômeno.
— É notável que humanos consigam montar uma história, e testá-la, sobre tão estranhos e extremos eventos acontecidos há bilhões de anos e a bilhões de anos-luz distantes de nós. Ambas colaborações Ligo e Virgo trabalharam em conjunto para juntar estas peças — diz ele.
Para detectar as ondas gravitacionais, os equipamentos do Ligo usam potentes lasers com comprimento de onda extremamente curto que batem e voltam constantemente em espelhos colocados nas extremidades de dois corredores de aproximadamente quatro quilômetros de comprimento cada, erguidos em forma de “L” e cuidadosamente protegidos de vibrações externas. Em situações normais, esses dois raios de luz se anulam ao se encontrarem no “canto” do “L”, num processo conhecido como interferometria.
Mas, quando uma onda gravitacional passa por eles, um dos “braços” do “L” fica ligeiramente mais curto ou longo que o outro, e parte da luz “vaza” para atingir um detector. Com isso, os dois observatórios podem medir variações no comprimento dos corredores por essas oscilações no espaço-tempo com uma precisão de um décimo de milésimo do diâmetro de um próton.
A nova observação de ondas gravitacionais também forneceu pela primeira vez pistas sobre a direção que estavam girando os buracos negros envolvidos. Além da “dança mortal” em que espiralam um em direção do outro, os buracos negros destes sistemas binários giram em torno do próprio eixo. Algumas vezes os dois objetos rodam na mesma direção que estão se movendo enquanto orbitam um o outro, o que os astrônomos chamam de giros alinhados, mas em outras vezes eles giram no sentido oposto da direção orbital. Em algumas ocasiões, os buracos negros também podem estar inclinados em planos diferentes.
— Esta é a primeira vez que temos evidências de que os buracos negros podem não estar alinhados, nos dando um pequeno vislumbre de como buracos negros binários podem ser formar em aglomerados estelares densos — comemora Bangalore Sathyaprakash, pesquisador das universidades do Estado da Pensilvânia, EUA, e de Cardiff, Reino Unido, e um dos editores do artigo que relata esta terceira detecção de ondas gravitacionais, aceito para publicação pelo periódico científico “Physical Review Letters” e assinado por todos integrantes das colaborações Ligo e Virgo.
Atualmente, os cientistas têm dois modelos principais para explicar como se formam os sistemas binários de buracos negros, isto é, com dois destes objetos. O primeiro propõe que eles “nascem” juntos, quando duas estrelas maciças em um sistema binário explodem e colapsam sob a própria gravidade. Como o par de estrelas geralmente gira na mesma direção, os buracos negros também normalmente permanecem com seus giros alinhados.
Já no segundo modelo os buracos negros se aproximam mais tarde em suas “vidas” em populosos aglomerados estelares, formando pares à medida que “caem” para o centro do aglomerado. Neste cenário, os buracos negros podem estar girando em qualquer sentido em relação ao seu movimento orbital. Como a nova observação do Ligo traz sinais de que os buracos negros do evento registrado não estavam alinhados, ela favorece esta segunda hipótese envolvendo aglomerados estelares densos.
— Estamos começando a juntar estatísticas reais sobre sistemas binários de buracos negros — diz Keita Kawabe, pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e também editor do artigo relatando a terceira detecção de ondas gravitacionais, que trabalha na instalação do Ligo da cidade de Hanford, no estado americano de Washington. – Isto é muito interessante porque alguns modelos da formação de sistemas binários de buracos negros são de certa forma mais favorecidos que outros ainda hoje, e no futuro podemos restringir ainda mais essas noções.
A nova detecção também pôs mais uma vez sob escrutínio a Teoria da Relatividade de Einstein. Desta vez, os cientistas buscaram evidências de um efeito chamado “dispersão”, que ocorre quando a luz viaja em um meio físico como o vidro a diferentes velocidades dependendo de seu comprimento de onda (é como gotas de chuva formam um arco-íris ou um prisma “divide” a luz visível nas suas diferentes cores). A Teoria da Relatividade Geral de Einstein proíbe a dispersão das ondas gravitacionais enquanto se propagam de sua fonte até a Terra, e, de fato, o Ligo não encontrou sinais deste efeito.
— Parece que Einstein estava certo, mesmo neste novo evento, que é cerca de duas vezes mais distante que a nossa primeira detecção — aponta Laura Cadonati, pesquisadora da Universidade Georgia Tech, também nos EUA, e vice-porta-voz da LSC. — Não vemos qualquer desvio das previsões da Relatividade Geral, e esta distância maior nos ajuda a afirmar isto com mais confiança.
Os cientistas do Ligo e do Virgo continuam a “peneirar” os dados coletados pelos observatórios nesta rodada do experimento, iniciada em 30 de novembro do ano passado e que continuará verão adentro no Hemisfério Norte, em busca de mais sinais de ondas gravitacionais. Eles também já estão trabalhando em melhorias nas instalações para a próxima rodada de observações, prevista para começar no fim do ano que vem, com detectores ainda mais sensíveis.
— Com a terceira detecção confirmada de ondas gravitacionais a partir da colisão de dois buracos negros, o Ligo está se estabelecendo como um poderoso observatório capaz de revelar esta lado escuro do Universo — conta David Reitze, também do Caltech e diretor executivo do Ligo. — E embora o Ligo seja unicamente equipado para observar estes tipos de eventos, esperamos ver outros tipos de processos astrofísicos em breve, como a violenta colisão de duas estrelas de nêutrons (os restos superdensos de astros gigantes que explodiram em supernovas mas não tinham massa suficiente para colapsar sob a força da própria gravidade em buracos negros).
Os observatórios do Ligo são fruto de um investimento de mais de US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 3,6 bilhões) feito a partir dos anos 1990 pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF), que também comemorou o novo sucesso da empreitada.
— É exatamente isso que esperávamos do investimento da NSF no Ligo: nos levar mais longe no tempo e no espaço de maneiras que não podíamos antes da detecção de ondas gravitacionais — destaca o diretor da fundação, France Córdova. — Neste caso, estamos explorando a uma distância de aproximadamente 3 bilhões de anos-luz! O Ligo continua a fazer descobertas notáveis, transitando de um experimento para um observatório de ondas gravitacionais. Mais importante ainda, cada detecção nos deu muito mais que apenas um “avistamento”. Lentamente estamos coletando dados que desvelam as origens e características destes fenômenos, aprofundando nossa compreensão do Universo. E sabemos que isso é só o começo. Esta “janela para o Universo” continuará a se expandir e a NSF anseia em fazer parte de futuras melhorias que prometem aumentar a frequência das detecções para uma base até diária. Vamos acompanhar enquanto centenas de pesquisadores ao redor do mundo melhoram este observatório para iluminar a física da fusão de buracos negros, estrelas de nêutrons e outros fenômenos astronômicos.
O Globo
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