Pai e filho eram tabeliães no Cartório único da cidade e são acusados de se apropriar de aproximadamente R$ 240 mil para providenciar documentos referentes a imóveis de uma família de Natal. Investigação foi conduzida pelo Gaeco
O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) denunciou os tabeliães titular e substituto do Cartório Único de Montanhas por terem se apropriado de aproximadamente R$ 240 mil, quantia pertencente a uma família de Natal. A denúncia requer que Autran Martins Tavares e Lauro Riccelli de Lima Tavares, respectivamente pai e filho, sejam condenados na Justiça potiguar pelos crimes de peculato, estelionato, falsidade ideológica, uso de documento público e falsificação de sinal público (carimbos e assinaturas de outros tabeliães). As investigações dos crimes foram comandadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), órgão do MPRN, e pela Promotoria de Justiça de Nova Cruz.
Entre os anos de 2009 e 2012, os denunciados inseriram declarações falsas em documentos públicos, mais precisamente em cinco escrituras públicas de compra e venda, sete escrituras públicas de incorporação e duas certidões de inteiro teor. Pelo que foi apurado pelo MPRN, eles tinham a intenção de prejudicar transações de compra e venda, incorporação e transferência dos imóveis da família e alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes.
As escrituras de compra e venda e os atos de incorporação de imóveis são de suma importância para garantir a validade jurídica dos negócios e assegurar ao comprador/incorporador, após o seu registro, os direitos inerentes à propriedade. Além disso, no ano de 2010, pai e filho falsificaram sinais públicos de tabeliães de cartórios localizados em Natal.
As investigações do MPRN começaram em março de 2015, na Promotoria de Justiça de Nova Cruz, com a instauração de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC). O objetivo era apurar os indícios de crimes de peculato e falsificações de documentos públicos possivelmente praticados por notários do Cartório Único Judiciário de Montanhas.
O procedimento iniciou-se a partir de cópia remetida ao MPRN pela direção do foro da comarca de Nova Cruz de um documento expedido pela Corregedoria Geral de Justiça do TJRN, diante de representação apresentada ao órgão pelo tabelião do Registro de Imóveis da 3ª Zona de Natal, dando conta de possíveis ilícitos penais e disciplinares executados pelo Ofício Único de Montanhas.
Essa notícia também ensejou a instauração de procedimento administrativo disciplinar pela direção do Foro da comarca de Nova Cruz, com a determinação de suspensão preventiva e posterior revogação dos denunciados dos cargos que ocupavam no cartório.
Como os tabeliães agiram
No ano de 2009, a família vítima decidiu organizar todo seu patrimônio dentro de uma empresa familiar. Por isso, precisava lavrar as escrituras de compra e venda e registrá-las nos cartórios respectivos de onde os imóveis estavam encravados, já que até então dispunha apenas dos instrumentos de compra e venda. Eram 23 imóveis, adquiridos ao longo dos anos pelo patriarca.
A realização de todos esses atos geraria, portanto, ganho considerável aos cartórios, especialmente àquele que lavrasse as escrituras, já que era um número expressivo de imóveis, avaliados em valores igualmente expressivos, tratando-se as lavraturas dessas escrituras de serviços que qualquer Cartório teria interesse em realizar.
Foi então que o advogado da empresa da família vítima tomou conhecimento de que o denunciado Lauro Riccelli de Lima Tavares exercia a função de tabelião substituto no cartório de Montanhas, onde o titular era seu pai. Soube também que tal cartório oferecia descontos para lavrar as escrituras, sendo por isso atraído para efetuar as escrituras dos imóveis da família.
Com o passar do tempo, o denunciado Lauro Riccelli de Lima Tavares ficou cada vez mais próximo da família vítima, passando inclusive a se dirigir pessoalmente à fábrica deles para buscar dinheiro para supostamente pagar pendências referentes aos imóveis, bem como para se remunerar.
Após um desentendimento com uma empresa responsável pelo serviço de despachante de imóveis que já estava realizando o início dos trabalhos para a família, Lauro assumiu a responsabilidade por todos os serviços, desde o de despachante até a lavratura das escrituras e realização dos registros junto aos cartórios da circunscrição de onde encravados os imóveis, recebendo pelo menos R$ 240 mil para realizar os trabalhos.
No ano de 2012, o patriarca faleceu e, em fevereiro de 2013, os herdeiros, convictos de que todos os imóveis estavam devidamente escriturados, registrados e incorporados à empresa familiar, resolveram vender um dos apartamentos. Ao se dirigir ao 7º Ofício de Notas do Registro de Imóveis da 3ª Zona de Natal, integrantes da família descobriram que na matrícula do imóvel não constava nenhum registro da aquisição, tampouco da incorporação à empresa familiar. Ou seja, as escrituras lavradas por Lauro Riccelli de Lima Tavares não haviam sido registradas no cartório da circunscrição do imóvel, apesar de nela constar um registro, que foi falsificado pelo denunciado.
A denúncia do MPRN explicita que Lauro Riccelli de Lima Tavares entregou documentos ideologicamente falsos e contendo sinais públicos falsificados à família vítima, para que seus membros tivessem a ilusão de que os negócios jurídicos estavam perfeitos. Ele manteve “essas pessoas em erro por anos, já que lhes entregou as primeiras escrituras ainda em 2009 e só em 2013 os herdeiros descobriram que não havia nenhum registro nos cartórios competentes acerca das aquisições dos imóveis”.
A denúncia destaca ainda a conduta omissiva do tabelião titular do Cartório de Montanhas, Autran Martins Tavares, em relação aos crimes, “já que ele tinha pleno conhecimento dos atos ilícitos que ocorriam em seu cartório de forma endêmica, tamanha a reiteração de atos criminosos capitaneados pelo seu filho e tabelião substituto.
Mesmo com os crimes acontecendo no Cartório Único de Montanhas, pelo menos desde o ano de 2009 – o que era do conhecimento de Autran Martins Tavares, conforme comprovam as investigações em andamento e já finalizadas – o tabelião titular não exonerou ou afastou preventivamente o filho. O afastamento só se deu no procedimento administrativo que tramitou sob a presidência do juiz do Foro da comarca de Nova Cruz, processo que redundou no afastamento liminar em 2014 e na perda do cartório.
Por crimes semelhantes aos que constam na atual denúncia do MPRN, os réus já respondem a pelo menos quatro ações penais em Nova Cruz.
Com informações do MPRN
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