A União Química, responsável pela vacina russa Sputnik V no Brasil, demorou em média um mês para responder a cada nova orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o processo relativo ao desenvolvimento da vacina e não cumpriu os critérios estabelecidos pela agência. As conversas começaram em setembro do ano passado e foram se arrastando diante da lentidão da farmacêutica em responder às notificações da Anvisa. Procurada pelo GLOBO sobre os apontamentos feitos pela Anvisa, a União Química respondeu que “não vai comentar”.
Em 23 de dezembro, mesmo antes da abertura oficial dos pedidos relativos à vacina russa na Anvisa, após a farmacêutica não se manifestar com rapidez sobre os trâmites, a agência chegou a cobrar resposta da União Química para apresentação dos documentos. As informações sobre a cronologia do processo constam de documentos enviados pela Anvisa ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última sexta-feira para explicar o impasse em relação à vacina russa.
Os relatos contrariam a versão da farmacêutica de que tem se empenhado para atender aos requisitos da agência. Faltam dados que impedem a agência de avaliar potenciais riscos da vacina em humanos, além de averiguar sua capacidade de proteção contra o coronavírus. Diante da resposta da Anvisa, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do tema no STF, deu anteontem um prazo de cinco dias para que a farmacêutica explique todas as pendências.
Antes da submissão oficial, a farmacêutica trocou emails e realizou reuniões com a Anvisa para alinhar os trâmites do processo. A cada nova manifestação da agência indicando a ausência dos documentos necessários, no entanto, a União Química tardava em responder e acabou dando entrada oficial no processo sem atender aos requisitos que já tinham sido indicados havia meses pela agência.
Em 23 de dezembro, três meses após a primeira conversa, ainda havia inconsistências e nem tinham sido entregues os resultados do ensaio clínico de fase III realizado na Rússia, quando uma população ampla foi submetida à imunização para teste. Os dados são relevantes para demonstrar a eficácia e a segurança na vacina em grandes populações.
A Anvisa também cobrou da União Química dado sobre o protocolo que pretendiam utilizar para a realização do estudo no Brasil. Uma semana depois, a farmacêutica respondeu ao órgão afirmando que ainda tentava obter junto ao Instituto Gamaleya da Rússia as informações sobre a vacina e também afirmou que o protocolo para realização de estudo de fase III no Brasil “está em fase final de revisão pela equipe da Synova e pretendo submetê-lo formalmente, via petição do DEEC, até o dia 31/12”.
A União Química chegou a entrar oficialmente com o pedido no dia 31 de dezembro, como havia anunciado, mas sem fornecer os dados que já tinham sido requisitados cerca de um mês antes. Diante disso, a Anvisa cobrou novamente a farmacêutica no dia 4 de janeiro, mas até o momento ainda não recebeu as informações.
Veja abaixo as principais informações que Anvisa ainda aguarda sobre a Sputnik V:
Protocolo de ensaio no Brasil
A União Química tem dois procedimentos estacionados na Anvisa, um no qual solicita aval para seu Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento, a fim de obter permissão para iniciar testes clínicos da vacina russa no Brasil, e outro no qual pediu a autorização emergencial de uso para o imunizante. No entanto, para obter esta última é necessária a realização de testes no país.
Entre as informações cruciais exigidas pela Anvisa para dar aval ao dossiê e realização dos estudos no país — e não fornecidas pela farmacêutica — está a descrição de qual será o escopo e a metodologia utilizados pela União Química no estudo que pretendem realizar no Brasil.
Esses dados são importantes, segundo a Anvisa, para mapear que tipo de paciente a vacina será indicada, com dados sobre a faixa etária dos voluntários, e parâmetros definidos para analisar os efeitos da vacina nesses pacientes.
O GLOBO apurou que até a semana passada a farmacêutica não havia indicado à Anvisa, por exemplo, que detinha uma instituição parceira para realização dos testes no país. A vacina de Oxford, por exemplo, desenvolveu seus ensaios clínicos de fase III em parceria com a Unifesp.
Estudos de toxicidade
Outro ponto pendente, segundo documento da Anvisa, era o fornecimento de dados sobre os impactos da Sputnik V na capacidade reprodutiva.
“Sem esses dados os voluntários podem ser expostos ao risco de efeitos graves no sistema reprodutor, fertilidade e desenvolvimento do embrião, feto ou recém nascido”, explicou a Anvisa ao STF.
Estudos não-clínicos
Nem mesmo dados da fase anterior aos testes com humanos foram totalmente apresentados, de acordo com a Anvisa. A União Química não encaminhou à agência informações completas sobre suas experiências com animais no desenvolvimento da vacina. Sem isso, diz a agência, os técnicos ficam impedidos de avaliar a capacidade real de imunização produzida pela vacina e de identificar se o imunizante pode acabar potencializando a infecção por coronavírus e ter efeitos indesejáveis.
Há ainda a requisição de outras informações relacionadas a efeitos indesejáveis e dados sobre a interação do imunizante com células específicas que ainda não foram fornecidas.
Estudos de imunogeinicidade
Aspectos relacionados à capacidade de gerar anticorpos da vacina também estão entre as exigências da Anvisa.
A agência afirma que não foram encaminhados dados consistentes sobre o tema, já que a amostra relatada pela União Química foi pequena e apresenta grande variação. Além disso, a Anvisa cita que não houve utilização de grupo placebo nos estudos. Esses fatores combinados prejudicam a análise da agência.
“A ausência deste documento impede a melhor compreensão da imunogeinicidade. Para se ter uma melhor compreensão da imunogeinicidade há a necessidade de um número maior de participantes, caso contrário, o dado obtido pode não ter relevância estatística e não fornecer a segurança de como a eficácia da vacina se comporta em populações maiores”, diz o documento.
A falha em dados relacionados a esse tema também não permite que a agência identifique o tempo de duração da imunidade gerada pela vacina.
Leia matéria completa em O Globo.
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