por Dinarte Assunção
De um sobrado no alto da comunidade da África, na Redinha, veem-se os gatos na Rua Beberibe fuçando sacolas de lixo deixadas pelas calçadas. Eles avançam de saco em saco e se aproximam fazendo notar uma pelagem desgastada. Estavam prestes a chafurdar na próxima sacola, quando uma garota de 13 anos, com um telefone na mão em viva-voz, interrompeu a festa dos felinos com um gesto nos pés e se virou para o repórter para afirmar:
– Titia vai falar com você. – E, voltando-se para o celular prosseguiu: – Estamos indo aí, tia.
A tia é Ingrid de Araújo, mãe de Yasmin Lorena, a garota de 12 anos que desapareceu em 28 de março na mesma comunidade da África e cujo corpo a família não tem dúvidas de que foi encontrado nessa terça-feira (24), em um enredo de causar perplexidade e cujos detalhes o BlogdoBG conta agora com exclusividade.
Ingrid recebe a reportagem noutro sobrado na mesma rua. Traz olheiras e a boca seca encrespada. Magra, morena e de estatura média, move-se até a cama colocada por trás de uma rack na sala pequena, onde se senta e começa a comer. Não é possível mais vê-la, mas toda dor que carrega consigo é imediatamente sentida quando pronuncia as primeiras palavras:
– Minha ficha ainda não caiu. – É possível ouvir as pernas de Ingrid baterem num repetitivo movimento de abre e fecha. Na cozinha, o marido, pai de Yasmin, Seu Aldair, vagueia sem fazer nada em específico. O irmão mais novo da garota, de cinco anos, ocupa-se com uma embalagem de iogurte. Há um cheiro agradável de infância espalhado pela casa.
– Não caiu a ficha de que sua filha está morta ou de que o principal suspeito é alguém com quem a senhora conviveu 25 anos?
– Isso. Eu jamais suspeitei dele. Crescemos juntos na rua. Sabia que ele me levou na casa onde matou e enterrou minha filha para que eu a procurasse lá?
– Por que ele fez isso?
– Porque algumas pessoas estavam comentando que tinha sido ele. Dois ou três dias depois do sumiço de Lorena, ele me pegou e disse: ‘Chegue, venha, olhe aqui, olhe!’. Eu fui com meu marido e meu irmão. A gente olhou e enquanto eu olhava eu dizia: ‘Homem, pare com isso, eu sei que não foi você’”.
– E a senhora nem imaginava que o corpo de sua filha estava ali sob seus pés?
– Isso nunca passou pela minha cabeça.
– Eu preciso perguntar uma coisa: a senhora trabalha com a hipótese de que o corpo encontrado não é de Yasmin Lorena? – Ingrid termina de comer. Vai à cozinha e volta arrastando uma cadeira. Senta-se de frente para o repórter. Seu olhar fita o vazio antes de se fixar no repórter e afirmar decidida:
– É minha filha. O dinheiro que dei a ela no dia do sumiço estava no bolso da roupa do corpo que está no Itep.
– É ela, moço – interrompe o pai, Seu Aldair. – Eu vi hoje. Agora a gente só quer enterrar nossa menina.
Para Ingrid, o principal suspeito do caso foi quem não suportou o peso da consciência e ligou anonimamente para a polícia. Ainda resta ser confirmado, além da identidade do corpo, se houve violência sexual.
– Nenhum vizinho sentiu mau cheiro, como foi dito. Não houve isso. Ele já vinha dando uns sinais estranhos de comportamento. Acho que foi ele mesmo que ligou e disse à polícia. Acho que ele se matou.
– A senhora gostaria que ele tivesse se matado? – Questionei.
– É questão de tempo se ele ‘tiver’ vivo. Se ele for preso vai morrer na cadeia. Se ficar solto vai morrer aqui fora. – Afirmou Ingrid, enquanto franzia a sobrancelha a puxava o cabelo para trás para amarrar num coque.
– Esse suspeito nunca deu nenhum sinal de comportamento de pedofilia?
– Sim. Eu evitava deixar Lorena a sós com ele porque uma vez surgiu a conversa de que ele tava ‘brechando’ a sobrinha da mulher.
O filho mais novo largou o copo de iogurte e passou a se entreter com um pacote de biscoito. Sem conseguir abrir, a mãe puxou a embalagem e rompeu o lacre para devolver ao garoto. Depois respirou fundo e suspirou. Instalou-se um silêncio sufocante na casa. Não havia mais cheiro de infância. O ar estava rarefeito.
– Ela sonhava ser médica.
– Como?
– Minha filha. Ela sonhava ser médica.
– E a senhora? O que sonha?
– Eu só quero enterrar minha filha.
tem que morrer mesmo, na cadeia ou fora dela, um monstro,bandido safado
Essa narrativa parece até um romance fictício. Quem dera realmente fosse.
Caramba, não bastasse a crueldade e infelicidade da situação em si, essa conversa com a família me fez chorar. Meus mais sinceros e profundos sentimentos aos familiares. Um dor que com certeza a sociedade de bem também compartilha.