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“O filme de terror mais insano em anos”, “inacreditavelmente assustador”, “‘O exorcista’ desta geração”. Desde a sua estreia mundial no Festival de Sundance, em janeiro, “Hereditário” tem ganhado elogios superlativos da imprensa, como indicam esses exemplos escritos pelas publicações “USA Today”, “RogerEbert.com” e “Time Out”, respectivamente.
O filme, que estreia quinta-feira no Brasil, é a mais recente adição à onda de terror vindo dos EUA — filão inaugurado com “O Babadook” (2014) e que passou por “Corrente do mal” (2014), “A bruxa” (2015) e “Corra!” (2017), para citar alguns exemplos. O que esses filmes têm em comum é o fato de não serem apenas aterrorizantes. Também trazem uma boa dose de drama e conflitos interpessoais, como reforça Ari Aster, nova-iorquino de apenas 31 anos que faz em “Hereditário” a sua estreia na direção de longas.
— O mais interessante no cinema de gênero é que você precisa lidar com um material mais intransigente — diz ele. — Quis fazer um filme sobre luto e trauma, sobre uma família tentando enfrentar uma perda inimaginável e… falhando. Se eu simplesmente fizesse um drama, até poderia ter resultado em algo bacana, mas eu não teria os mesmos recursos e talvez não sensibilizasse o público da mesma maneira. Quis contar uma história da forma mais honesta possível, e ao mesmo tempo satisfazer as demandas do gênero de terror.
No centro da trama está Annie (Toni Collette, em atuação já cotada para o Oscar), uma maquetista em luto pela morte da mãe. Após a o enterro, acontecimentos possivelmente sobrenaturais começam a amedrontar o resto da família, composta pelos filhos Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro) e o marido Steve (Gabriel Byrne). Vultos e ruídos inidentificáveis surgem nos cantos escuros da casa, e Charlie passa a ter visões e comportamentos um tanto quanto bizarros, como decepar a cabeça de um pombo sem nenhuma razão aparente. Ou seriam esses eventos misteriosos apenas manifestações de doenças mentais hereditárias que afligiram gerações passadas dessa família?
O cineasta refere-se a uma reviravolta abrupta e chocante que ocorre ao fim do primeiro ato, mantida em segredo pelo marketing da distribuidora americana A24, que não inseriu a informação em nenhum trailer. A partir desse ponto, a trama toma um rumo completamente diferente e emocionalmente intenso, submetendo a família a tragédias consecutivas e explorando com mais força e autenticidade temas como luto, relações familiares agressivas, falta de comunicação e ressentimento acumulado — às vezes num nível “perturbador” ou “desconfortável”, outros dois adjetivos amplamente usados para definir o filme.
— Também é um filme sobre culpa: o jeito que você pode se culpar e, ao mesmo tempo, culpar os outros membros de uma família por uma tragédia. Quando você está sofrendo, não é só difícil apoiar as pessoas ao seu redor, como também é difícil resistir ao impulso de infligir dor a elas. É uma forma de você não se sentir solitário na dor — diz Aster, cujo desejo era fazer com que o espectador sentisse que estava diante de um novo filme a partir do segundo ato.
Alguns analistas se perguntaram se foi esse o motivo para o longa ter recebido avaliações negativas na CinemaScore — a empresa que pesquisa a opinião do público sobre um filme recém-lançado nos cinemas. “Hereditário” recebeu nota D+, numa escala que vai de A a F. Mesmo assim, surpreendeu nas bilheterias e arrecadou US$ 13 milhões no primeiro fim de semana em cartaz, tornando-se a maior abertura de uma obra distribuída pela A24, que ganhou notoriedade nos últimos anos por lançar longas independentes premiados, entre eles o vencedor do Oscar “Moonlight” (2016).
— Filmes sobre o doloroso processo do luto geralmente se encaminham para um final agridoce. É algo bem hollywoodiano, já notou? Primeiro, uma família sofre uma perda. Então ela tenta processar os sentimentos. No fim, une-se e fortalece seus laços. Não há nada inerentemente falso nessa estrutura, as pessoas precisam de esperança mesmo. Mas não é regra, nem sempre é assim que acontece. Na vida real, algumas pessoas simplesmente não conseguem se recuperar de uma tragédia. Elas são destruídas pela experiência. Dificilmente isso é retratado no cinema, e foi o que quis fazer nesse filme — afirma o diretor.
Apesar do conflito familiar no centro da trama, Ari Aster rejeita a ideia de “Hereditário” ser mais um drama do que um terror:
— Não, o filme não está “acima” do gênero, como tem sido sugerido. Ele, inclusive, dialoga com outros terrores, porque ninguém trabalha no vácuo. Eu amo “O bebê de Rosemary” (1968), “Inverno de sangue em Veneza” (1973) e “Os inocentes” (1961). Para mim, esses filmes representam o pináculo do que é possível realizar dentro do gênero. Tento costurar essas influências para, ao mesmo tempo, produzir algo novo.
Ironicamente, seus seis curtas-metragens feitos desde 2011 são comédias.
— Amo gêneros em geral. Quero trabalhar com tudo: ficção científica, western e até musical. Admito que meu próximo longa provavelmente será outro terror, mas, depois, pretendo explorar outro mundo.
O Globo
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