Escolhido como candidato a vice na chapa presidencial de Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira, 69 anos, costuma contrariar o estilo pelo qual os políticos do PSDB ficaram conhecidos. Não lança mão de eufemismos nem fica em cima do muro sobre assuntos polêmicos. É autor de projeto que reduz, em determinados casos, a maioridade penal . Defende a descriminação do aborto. E discorre sem receio sobre a antiga amizade com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que comandou a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, acabou abatido pelo escândalo mensalão e se transformou no principal alvo dos tucanos quando querem atacar a corrupção na gestão dos adversários petistas.
Eleito em 2010 ao Senado por São Paulo – registrou a maior votação da história, com 11 milhões de votos –, Aloysio carrega no currículo a advocacia, o movimento estudantil, o enfrentamento ao regime militar como guerrilheiro, 11 anos no exílio e uma forte influência no PMDB até chegar ao ninho tucano.
Foto: Robson Fernandjes/Estadão
Ele recebeu o Estado na sexta-feira, 4, em seu escritório político, conjunto de salas no primeiro andar de um prédio da Avenida Pedroso de Morais, no bairro de Pinheiros, zona oeste paulistana. Tratou, sem melindres, de sua antiga relação com Dirceu. “Somos amigos desde os tempos da faculdade. Eu não renego um amigo. Sou amigo até hoje do Dirceu”, disse o tucano, para quem “divergência política é uma coisa” e amizade, outra.
Na quinta-feira, o ex-ministro do governo Lula havia recebido autorização para trabalhar em um escritório de advocacia de Brasília.
A imagem do amigo envelhecido e abatido em seu primeiro dia de trabalho fora da Papuda o impressionou. “Cadeia é uma merda, é um horror, aquele cheiro de creolina”, observou.
Aloysio não acredita que tenha havido abuso no julgamento do Supremo Tribunal Federal. “O Zé é um cara disciplinado, inteligente, uma pessoa calorosa. Lamento muito sua situação. A prisão é sofrida. À maneira dele está fazendo o que acha que é certo para o Brasil. Eu discordo. Ele teve toda oportunidade de se defender.”
Trajetória. No escritório onde amarra alianças políticas e anota solicitações em geral, despojado em uma calça de brim, camisa de manga, tênis e meias brancas, o senador expôs durante quase duas horas detalhes de sua longa trajetória, desde quando, ainda menino, aos 12, partiu de São José do Rio Preto, interior paulista, com os cinco irmãos e os pais para morar na casa da Rua Gabriel dos Santos, em Santa Cecília, no centro da capital. Era 1957.
O pai, seu exemplo, foi um advogado destacado. A mãe, professora. Em 1963, com 18 anos, Aloysio passou no vestibular da Faculdade de Direito da USP. “A advocacia me fascinava.”
Logo conquistou as Arcadas do Largo São Francisco, no centro. Foi eleito presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto. Dali a dois anos viria a se tornar um dos fundadores do MDB, o movimento de oposição à Arena, partido aliado dos militares que tomaram o poder no golpe de março de 1964.
Eram tempos difíceis, mas os estudantes foram às ruas contestar. Foi quando acabou conhecendo o rapaz de cabelos compridos que viria a se tornar o chefe da Casa Civil de Lula. Dirceu fazia Direito na PUC e frequentava os Nunes Ferreira. A casa da Rua Gabriel dos Santos era uma construção simples, mas aconchegante.
Aloysio se deu conta de que o País estava mergulhando na exceção quando descia de carro pela Avenida Angélica e testemunhou “uns garotões” destruindo e saqueando a sede da Superintendência da Reforma Agrária (Supra), na ocasião dirigida por Mário Donato, autor de “Presença de Anita” – “que a gente lia escondido porque tinha umas histórias de sacanagem”. “Certamente eram os precursores do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), uns tipos fortões, eles atiravam mobílias e arquivos da superintendência pela janela. Puseram fogo em muita coisa”, recorda o tucano.
Entre os papéis confiscados pela repressão havia anotações do XI de Agosto, que dava apoio jurídico ao órgão da reforma agrária. Na tarde de 19 de abril de 1964 alguém tocou a campainha e avisou o jovem estudante que os homens do Dops, a temível polícia política, estavam chegando. Viriam busca-lo “para esclarecimentos”.
“Arrumei uma malinha com umas mudas de roupa”, conta Aloysio. “Naquele tempo os tiras eram os mesmos que serviram o Estado Novo. A caminho do Dops me deixaram passar no salão de cabelo onde mamãe estava. Fui avisá-la.” Após ser ouvido, foi liberado.
Aloysio e Dirceu trocavam ideias sobre os rumos do movimento estudantil. Dirceu ambicionava conquistar sua primeira eleição, então para presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE). Com apoio de Aloysio, Dirceu chegou lá, no ano de 1967.
O hoje candidato a vice de Aécio, por sua vez, foi para a Ação Libertadora Nacional (ALN), movimento guerrilheiro criado em 1966, quando Carlos Marighella, que viria a ser morto pelas forças de repressão três anos depois, deixou o Partido Comunista Brasileiro. Chegou a ser motorista de Marighella em ações da luta armada. Era conhecido pelo pseudônimo Mateus.
Exílio. Já advogado formado, foi alertado que a auditoria militar estava na iminência de decretar sua prisão, por violação à Lei de Segurança Nacional. No dia seguinte foram cumprir o mandado de prisão. O alvo já estava a caminho de Paris, para a jornada do exílio. Era outubro de 1968, às vésperas do AI-5.
No início, Aloysio se manteve com uma bolsa de estudos do governo francês. Depois, arrumou emprego. Foi professor e diretor de um centro de pesquisa do país europeu.
Três passagens, em especial, marcaram Aloysio longe do Brasil. Em 1969, o nascimento das filhas gêmeas. Em 1974, certa noite, tomava chope quando um amigo passou de carro, buzinou e gritou. “O Quércia ganhou em São Paulo.” Orestes Quércia, do MDB, havia derrotado Carvalho Pinto, da Arena, na corrida por uma cadeira no Senado. Em 1979, aprovada a Lei da Anistia, Aloysio foi ao consulado brasileiro e pegou seu passaporte para o retorno.
À porta da democracia. Foi residir na Rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Continuou sendo bisbilhotado. Em seu escritório político, guarda até hoje cópias de “informes” produzidos pela arapongagem. Relatórios datilografados que falam sobre o “nominado” em agendas públicas de deputado estadual, cargo para o qual foi eleito. Nessa época reencontrou Dirceu, também com cadeira na Assembleia Legislativa.
Após o mandato de deputado estadual, Aloysio, ainda no PMDB, foi vice-governador na gestão Fleury Filho no início dos anos 1990. Depois, se integrou aos tucanos e passou pelo Ministério da Justiça do governo Fernando Henrique. Foi eleito três vezes para a Câmara dos Deputados. Passou ainda pela Casa Civil do governo José Serra, na Prefeitura e no Estado, até chegar ao Senado. Hoje, ao comentar a luta armada, admite ter errado ao combater o regime por via não democrática.
No auge do mensalão, em 2005, Dirceu foi à casa de Aloysio. “Não falamos sobre mensalão porque o principal responsável por tudo aquilo é o Lula. O Dirceu não fez nada que Lula não soubesse. Ele me procurou, dias antes da sessão na Câmara que decretou sua cassação. Não me pediu nada. Mas defendeu a lisura de seus atos e do governo, nunca admitiu ilegalidades, nunca admitiu mensalão”, diz.
“Não votei (no processo de cassação) porque eu estava licenciado, era secretário chefe da Casa Civil do governo José Serra. Mas se fosse votar eu votava pela cassação”, afirma. “Fui testemunha do Dirceu (nos autos do julgamento). Na verdade, quem me indicou para depor como testemunha de defesa acho que foi o Roberto Jefferson (delator do mensalão). Falei na Justiça sobre os projetos políticos, como é a tramitação.”
Sem ataques. Sobre a disputa com a presidente Dilma Rousseff, que como ele participou da luta armada na ditadura, Aloysio afirma que os tucanos não podem se apegar apenas aos ataques. “O ataque é contraproducente, acaba ricocheteando. Não precisa atacar o governo do PT. Os pontos frágeis do governo Dilma são muito visíveis, muito sentidos pela população, os preços, o endividamento das famílias, a baixa qualidade de emprego, a diminuição do ritmo de criação de empregos, o mau serviço público, a incerteza do amanhã.” Para Aloysio, não há mais grandes embates ideológicos. “O que existe são propostas para melhorar o Brasil. O Aécio tem credibilidade de sobra para propor isso.”
Fausto Macedo – Agência Estado
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