Jornalismo

Nunca fui de jogar para a torcida, afirma William Waack, em entrevista

Após romper o silêncio com o artigo publicado na Folha (“Não sou racista, minha obra prova” ), o jornalista William Waack diz em entrevista que estuda propostas para voltar a trabalhar em breve, após um período de férias. “Eu me sinto livre de um peso, com horizontes amplos e avenidas abertas”, afirmou, em conversa por telefone.

No dia 8 de novembro passado, veio à tona o áudio de um comentário feito por ele um ano antes, atribuindo a “coisa de preto” o buzinaço ouvido do local em Washington onde ele e o comentarista Paulo Sottero conversariam sobre a eleição presidencial que resultou na vitória de Donald Trump. Em seu artigo, Waack sustenta que fez uma “piada idiota”, reforçando que não é racista.

Na entrevista a seguir, ele fala ainda sobre o ônus de nunca ter sido “um profissional que jogasse para a torcida, no sentido de atuar para angariar aplausos”.

Folha – Em seu artigo, você diz que a Globo cedeu a grupos de pressão organizados na internet. No seu caso eram grupos identitários. Como você diferencia as demandas legítimas desses grupos dos excessos que você aponta?

William Waack – Eu não disse que a emissora cedeu. Eu afirmo que a revolução digital coloca empresas tradicionais em situação complicada, diante de desafios difíceis: Não foram apenas grupos identitários, mas grupos políticos organizados também. A questão não é o que eles defendem, mas, sim, como empresas grandes na era da revolução digital encontram equilíbrio diante da contestação que sofrem através de redes sociais.

Como os meios de comunicação devem enfrentar esse fenômeno sem ter seus interesses comerciais afetados pela ação desses grupos?

Interesses comerciais são legítimos, e os defendo. Para lidar com esse desafio são necessários visão estratégica e coragem para enfrentar momentos adversos, como a contestação ao papel dos próprios veículos.

Acho que ceder à gritaria é ruim sob qualquer perspectiva em qualquer lugar, especialmente num período de crise política e rápidas transformações, como vivemos. O mais preocupante não é o que grupos organizados fazem para destruir órgãos de imprensa, mas sim a percepção cada vez mais abrangente, por parte do grande público, de se sentir “órfão” em relação aos tradicionais guardiães da “verdade dos fatos”.

Além, o que é pior ainda, dessa percepção se ampliar ao ponto de muita gente atribuir a grupos grandes um papel na manutenção de padrões de miséria intelectual e pobreza política no nosso País, pois assim prosperam melhor. Estamos falando de percepções, evidentemente.

Quando uma piada se transforma em uma manifestação racista?

Claro que um pensamento racista não pode ser considerado como piada. Piada é aquilo dito sem intenção de ofender, sem ser dirigida a ninguém em particular, num ambiente privado, cochichado até. Piada é piada.

Em que contexto surgiu aquele comentário?

Não me lembro até hoje, nem do que meu colega e eu falávamos nem do que foi o “detonador” do comentário. O fato é que dali de cima daquele prédio nem conseguíamos ver quem estava buzinando.

Haveria alguma relação com o fato de estar em Washington, cidade de maioria negra, falando sobre a derrota da candidata (Hillary Clinton), apoiada pelo então presidente Barack Obama?

Realmente não me lembro, já tentei e não consigo te dizer. Sou muito correto, não vou te falar do que não me lembro.

Em sua defesa, ouvimos colegas lembrando de seu padrasto, Oliveiros Ferreira, de ascendência negra. Você alguma vez testemunhou qualquer manifestação racista no ambiente familiar?

Não, nunca fui testemunha nem participei de qualquer manifestação racista na minha vida. Quando menino, minha mãe tinha de trabalhar fora e me deixava com a Guilhermina, uma senhora negra que praticamente ajudou a me criar e de quem me lembro até hoje com enorme carinho.

O título do artigo, ‘Há racismo no Brasil’, é uma referência ao título do livro do diretor de Jornalismo da Globo, Ali Kamel (‘Não somos racistas)?

Não vou comentar aspectos específicos do episódio em relação à emissora ou seus dirigentes.

Houve quem tenha interpretado o seu comentário como algo mais corriqueiro entre quem tem mais de 40 anos, justificando o episódio pela diferença entre gerações. Em que medida a pressão dos jovens muda a forma de os meios de comunicação a se relacionarem com o mundo?

Não acredito que a questão do racismo seja uma questão de gerações. é uma questão de princípios universais, que eu sempre defendi: os da dignidade e direitos humanos.

O que mudou na Globo desde que vazou o áudio de Pedro Bial, em 1998, no qual ele diz que ‘balé é coisa de viado’, durante o ‘Fantástico’? Por que ele não foi acusado de homofobia?

O entendimento atingido entre a emissora e eu supõe que não faremos comentários mútuos sobre aspectos do episódio.

Você não é de sorriso fácil (o que virou piada de Marcelo Adnet) e já lhe atribuíram desavenças com colegas, como Christiane Pelajo, ex-‘JG’, e Cris Dias, durante a Olimpíada. Essa imagem afeta a aceitação de um comentário dito em tom de piada?

Nunca fui profissional que jogasse para a torcida, no sentido de atuar para angariar aplausos. Aproveito para desmentir qualquer atrito com Cris Dias. Nos demos muito bem, e fiquei muito feliz de trabalhar com ela, ou com Pelajo, cuja mudança de trabalho dentro da emissora nada teve a ver comigo, ao contrário de muita bobagem publicada.

Já tem novo destino profissional definido?

Estou de fato estudando várias possibilidades. Eu me sinto livre de um peso, com horizontes amplos e avenidas abertas. Não posso neste momento, por simples questão de educação, mencionar com quais instituições estou em contato. Estarei a postos para participar de um ano político tão decisivo para o Brasil como 2018, com certeza.

Há planos de reportagens como as que renderam os livros ‘As Duas Faces da Glória’ e ‘Camaradas’?

Tenho muita vontade de fazer reportagens no “live streaming”, fora do jornalismo do dia a dia, e seriam relacionadas ao Oriente Médio.

Você chegou a ser insultado, fora da internet, em contato com o público?

Ao contrário, recebi muita solidariedade.

Acompanhou as reações das pessoas ao seu artigo?

Nunca fui muito de conferir comentários, pois me parece difícil separar pessoas reais de gente que se esconde atrás do anonimato garantido pela internet. Recebi algumas observações bastante positivas, dando conta de que o artigo atingiu o objetivo: expressar a minha verdade.

Folha de São Paulo

Opinião dos leitores

  1. Gosto muito do trabalho dele.Tá difícil no momento ver o Jornal da Globo sem ele. Ele passava credibilidade,alem de ser muito experiente

  2. esse negócio de ser politicamente correto toda hora no Brasil tá assumindo tons absurdos. Daqui a pouco vai ser proibido fazer piada no Brasil e aí vamos deixar de ser conhecidos pelo mundo como um povo alegre p/ sermos conhecidos como um povo fechado e sem riso como os alemaes por exemplo. Vai ser um ambiente bem pesado mesmo. O problema todinho é o alvo da piada fazer uma escolha: se sentir atingido ou nao. Caso se sinta atingido, é porque realmente é fã do politicamente correto.Poxa, o céu tem cor azul. Se eu disser que ele é preto, verde ou amarelo acredita quem quer, seja essa minha atitude politicamente correta ou não. Pior ainda é eu ficar dizendo que a cor do céu é preta ou verde e ele ter a cor azul. Enfim, enquanto a gente ficar se incomodando e pensando que nós somos aquilo que os outros dizem que somos, a gente ta se deixando levar demais pelo politicamente correto e acreditando bem menos no nosso potencial como pessoas. Em outras palavras, p/ que ficar se importando com o politicamente correto, ou seja, se preocupando com o que os outros dizem de mim (se ruim ou se bom) se o que deve importar p/ mim é o que eu realmente sou p/ mim?! o resto é piada, ainda mais em um país esculhambado que nem o nosso, falar em ser politicamente correto chega a ser a maior piada de todas

  3. A Globo perdeu um excelente profissional.
    Precisamos separar os excessos do trivial.
    Racismo propriamente dito não é correto e acredito que no Brasil não existe. Não de uma forma mais intensa.
    Há 50 anos Pelé é considerado um dos maiores jogadores do Brasil e do mundo e ninguém está preocupado se ele é japonês, negro ou branco.
    As pessoas apenas o idolatram e pronto.
    Ele viveu em épocas em que não havia esse ativismo besta atual e ele próprio não se queixa.
    Naquele episódio do jogo do Grêmio, a torcida cantou um hino.
    Uma moça foi filmada.
    O goleiro rico e famoso implicou disse que sofreu.
    A pobre moça branca foi demitida do emprego, a casa dela foi alvo de vândalos.
    Quem sofreu mais?
    É comum a torcida gritar apelidos ofensivos a juízes e ninguém os vê posando de coitados, se queixando.
    Isto é, não é correto, mas o suposto sofrimento parece ser mais resultado da histeria de grupos em redes sociais.
    No Brasil conta-se muito piadas de português e nunca ouvi falar do governo português reclamar junto ao governo brasileiro.
    Vida que segue…

  4. Bom jornalista . Preparado e com nível intelectual acima da média . Mas pisou na bola . Literalmente . Teria sido muitomas sagaz se tivesse de desculpado das abeiras que falou . Prepotente , arrogante e sem humildade . Limpou-se com canjica .. mas quem somos nós para atirarmos a primeira pedra . Seja bem vindo ao mundo dos que erram e são humildes para reconhecer e prosseguir .

    1. ora bolas, depois que atira a pedra, vem com a conversa de quem somos nos para atirar a primeira pedra.

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