Enquanto o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, diz que eleições influenciadas por fake news podem ser anuladas, o papel político dos ambientes virtuais ainda é uma incógnita. Entre os inúmeros sistemas usados para distribuir boatos, o WhatsApp, em particular, é uma caixa-preta, blindando a origem e o compartilhamento dos conteúdos tanto para a Justiça como para a sua própria empresa-mãe, o Facebook. Não à toa, pelo menos dois juízes já suspenderam o serviço por tempo limitado em retaliação ao descumprimento, pelo Facebook, de decisões judiciais.
A Justiça determinara a abertura de mensagens trocadas por usuários. O problema para cumprir a ordem era simples, segundo a própria empresa: a criptografia impede a quebra de privacidade.
Diferentemente de redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter e até a maioria dos serviços de e-mail, o WhatsApp foi construído com base em um sistema de criptografia de ponta a ponta. Ou seja, as mensagens são “inquebráveis”.
— O WhatsApp não pode ser interceptado. É impossível para a empresa ter acesso a essas informações — explica Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
É o que disse também Jam Koum, um dos fundadores da rede, numa das raras declarações de executivos da empresa ao comentar a derrubada do serviço por decisão judicial: “Não apenas criptografamos mensagens de ponta a ponta no WhatsApp para manter as informações das pessoas a salvo e seguras, como também não mantemos o histórico do chat nos nossos servidores. Quando você manda uma mensagem criptografada de ponta a ponta, ninguém mais pode lê-la — nem mesmo nós”, disse o executivo, em 2016.
ESPAÇO PRIVADO
Para entender esse tipo de criptografia, é possível pensar no WhatsApp como uma troca de cartas. A quebra da cifra das mensagens requer uma chave que só fica disponível para os usuários. A empresa sabe que houve uma troca de informações entre aqueles dois telefones, mas não qual foi o conteúdo dessa comunicação. É como no caso dos Correios: eles têm os registros de suas entregas, mas não sabem o conteúdo das cartas que enviaram.
A diferença para as redes sociais também tem um impacto jurídico no tratamento do WhatsApp, que é, antes de tudo, um espaço privado, assim como uma conversa telefônica. É o contrário dos perfis em redes como o Facebook e o Twitter, que são vistos como públicos, ainda que virtuais.
— O WhatsApp é tratado juridicamente de modo diferente das redes sociais, com proteções diferentes, por se tratar do direito constitucional à privacidade do cidadão — explica Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral da Mackenzie e da FGV de São Paulo.
A briga jurídica envolvendo a rede tem diminuído. Anteriormente, não era raro ver as empresas e o Judiciário em posições antagônicas. O WhatsApp disse não ter posicionamento oficial sobre as decisões jurídicas no momento. Já o TSE, comandado por Fux, diz dialogar com empresas como o Facebook e a Google, além de agências de inteligência como a Abin para evitar a proliferação de notícias falsas na internet durante as eleições de 2018. E que só pode agir quando provocado — ou seja, ao receber uma denúncia.
As fake news, cada vez mais citadas por políticos, ministros e juízes, já existiam com outro nome na legislação brasileira: os “fatos sabidamente inverídicos”. E quem as espalha não necessariamente pode ser punido.
— A punição dos fatos sabidamente inverídicos tem mais a ver com uma questão de dolo do que de veracidade. Depende do dano causado. Se for uma injúria ou calúnia eleitoral, há apenas remoção do conteúdo — explica Diogo Rais.
Ainda que não seja o maior local de compartilhamento de fake news e boatos, o WhatsApp se diferencia das demais redes sociais pela natureza de suas conversas. Por se tratar de um espaço de conversas informais, localizadas e privadas, ele potencializa a proliferação de mensagens pautadas por sentimentos de emoção.
— Não há nenhum estudo que comprove que o WhatsApp é o principal vetor de notícias falsas. Mas os casos em que a emoção supera a razão, que geram ansiedade pelo futuro, acabam mais intensos nele. A história falsa ou distorcida é movida pelo envolvimento emocional, com frequência, com a melhor das intenções — explica Fábio Malini.
O GLOBO
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