O foco de Lula depois de solto é o mesmo que tem sido desde que ele comandou as greves de São Bernardo no fim da década de 1970, fundou o PT e iniciou sua escalada como maior líder da oposição: construir, consolidar, manter e, agora, reerguer a mitologia política em torno de si. O PT, a esquerda, a ideia de oposição a Jair Bolsonaro, os pobres e os incautos que ainda gritam “Lula Livre” são apenas os veículos e as escadas para ele limpar a própria barra –a esperança, agora, é que consiga zerar sua situação judicial e percorrer o Brasil numa candidatura antecipada para 2022.
O discurso do petista em São Bernardo, falando em amor enquanto cuspia ódio e a intenção inequívoca de tentar tocar fogo no País, foi mais uma das várias elegias a si mesmo que Lula tem feito ao longo da vida. Frases como a de que teriam de bater na cabeça da jararaca, de que ele não era uma pessoa, mas uma ideia, e de que não abriria mão da dignidade em nome da liberdade são sempre proferidas com esse sentido único.
Alguém pode achar que Lula está mesmo preocupado com a Educação, com a Previdência, com a supressão de direitos promovida por Bolsonaro ou com a pobreza? Isso tudo é só o pano de fundo do cerne do seu discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: a ideia de que só ele é capaz de oferecer um contraponto a tudo isso e de que foi tirado de cena não porque comandou o maior esquema de corrupção desde a redemocratização do País, mas para impedi-lo de vencer a Presidência.
Resta saber qual o alcance que esta narrativa farsesca ainda tem. Setores significativos da esquerda estavam se descolando desse petismo renhido e passadista. Existe sempre o risco de que a polarização nos extremos funcione como um ímã e atraia de volta aqueles que vinham dizendo, de forma correta, que “o Lula está preso, babaca”. Agora, estando solto, embora não livre de condenações e outras denúncias, pode entoar seu canto de sereia e atrasar a necessária virada de página da esquerda rumo a algum discurso que abandone a defesa da roubalheira e proponha algo ao País.
Da mesma forma regressiva, a reaparição desse espantalho na cena política terá o efeito deletério de levar de volta ao colo do bolsonarismo uma parcela dos antipetistas que já demonstrava descontentamento com seu governo com laivos autoritários, caos político, crispação constante com tudo e todos, ideologização de direita reacionária vendida como conservadorismo e uma perigosa e até aqui incerta ligação com milícias e outras tranficâncias da pequena política. Já há aqueles que faziam críticas ao presidente e aos filhos que estão de novo acendendo velas em seu altar só porque viram a barba de Lula e se arrepiaram todos.
Em meio a essa cacofonia premeditada –e, no caso de Lula, friamente colocada em um discurso que parece empático e espontâneo, mas é só a expressão do cálculo de quem tem a agenda da própria salvação–, os moderados de centro parecem baratas tontas sem saber o que fazer e dizer para levar uma parcela significativa da população a entender que não precisa fazer essa escolha de Sofia entre duas opções radicais nem passar o dia nas redes sociais xingando o outro lado como se pensar fosse uma propriedade do fígado
BR18
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