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Vigorexia: quando a obsessão pelo corpo perfeito vira doença

Foto: Victor Freitas/Pexels

Academia todos os dias, inclusive aos domingos. Exercícios aeróbicos cada vez mais puxados para eliminar aquela gordurinha que ninguém vê. Musculação, crossfit ou qualquer atividade que propicie o aumento da massa muscular e aquela sensação de força, de corpo malhado igual aos estampados nas capas de revista e redes sociais por celebridades. Para garantir bons resultados, os esforços físicos são acompanhados de dietas exageradas, uso de anabolizantes ou outras substâncias e, mesmo assim, ao olhar para o espelho, a imagem que se vê é a de um corpo fraco, frágil e pouco definido.

Conhecida como vigorexia, o transtorno dismórfico muscular é a incompatibilidade entre o corpo de uma pessoa e a imagem que ela tem de si própria. “Por mais musculoso que esteja, o indivíduo sempre vai se achar fraco e franzino, e então inicia uma busca obcecada pela perfeição física”, explica o psicólogo do Hospital Israelita Albert Einstein Thiago Amaro. Assim como a anorexia – quando a pessoa se vê sempre acima do peso e a busca pela magreza passa dos limites saudáveis – a vigorexia é motivada pelos padrões de beleza que, de forma excessiva, cultuam o corpo sarado, com abdômen e pernas definidos e braços durinhos.

Com 1,7 metro de altura, 60 quilos, cintura fina, pernas e braços torneados, a engenheira Nathália Bravo, de 28 anos, ainda não está satisfeita com o corpo. “Acho que ainda preciso emagrecer três quilos. Gosto de ter a barriga chapada e as pernas definidas”, diz. Para manter o corpo em dia, frequenta a academia seis vezes por semana. Lá, faz pelo menos uma hora de atividade aeróbica em grupo – como bike, corrida e dança – e pelo menos quarenta minutos de musculação. Apesar de achar que não exagera, ela conta que levou um susto no dia de sua festa de aniversário, no último mês de junho. “Eu estava achando que meu corpo não estava legal e quando abri meus presentes, eram todas roupas tamanho P ou número 36. Pensei: será que as pessoas me veem muito sarada e só eu não consigo enxergar?”, indagou.

Predominante em homens, especialmente com idade entre 18 e 35 anos, a vigorexia está classificada na medicina como um transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Essa busca incessante por uma perfeição corporal que não existe pode trazer sérias consequências à saúde pelo aumento de lesões musculares, consumo indiscriminado de anabolizantes, suplementos alimentares e dietas restritivas que não conseguem suprir as necessidades do organismo. “Questões como saúde ou qualidade de vida deixam de ser o foco e a pessoa não mede esforços para alcançar o objetivo. Ela exagera nos exercícios, copia dietas que pegou na internet, não come direito”, diz Thiago Amaro.

Pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, com 14.891 jovens entre 18 e 24 anos mostrou que 22% dos homens e 5% das mulheres têm comportamentos alimentares desordenados motivados para o aumento da musculatura. No estudo, estudo publicado em junho deste ano no International Journal of Eating Disorders, eles disseram comer mais ou de forma inabitual para ganhar peso, usarem esteroides anabolizantes ou ainda as duas opções.

De acordo com o trabalho, 6,9% dos homens relataram o uso de suplementos para ganhar peso ou aumentar os músculos e 2,8% assumiram a ingestão de esteroides anabolizantes. Já entre as mulheres, os percentuais foram significativamente menores: 0,7% e 0,4% respectivamente. Estes comportamentos podem se transformar em dismorfia muscular. “Entre os prejuízos do consumo de substâncias assim estão lesões no fígado, perda de nutrientes e desregulação do metabolismo. É uma degradação do corpo em busca da perfeição”, explica Thiago Amaro.

Corpos frequentemente lesionados e ansiedade para a prática de exercícios físicos também são características de pessoas com vigorexia. “Elas exageram e se machucam. Em muitos casos, deixam de ter convívio social por achar que não estão bem fisicamente ou por priorizar sempre a rotina da academia”, explica o profissional de educação física e conselheiro do Conselho Federal de Educação Física, Marcelo Ferreira Miranda.

O especialista lembra que o diagnóstico de uma pessoa com transtorno dismórfico muscular não é simples. O motivo é que muitas vezes a preocupação exagerada com o tamanho dos músculos, as dietas e a rotina de academia são confundidas com hábitos saudáveis. Por isso, educadores físicos, familiares e amigos têm papel fundamental no reconhecimento da doença. “É preciso estar atento. O Conselho orienta que os profissionais da área destaquem aos alunos que os benefícios da atividade física vão além da aparência. Ela melhora o sono, previne doenças cardiovasculares e crônicas degenerativas, propiciam bem-estar”, conta. E mais que isso: melhorar a autoestima dos alunos, não estabelecer metas audaciosas e exageradas e comemorar os resultados ajudam, segundo ele, a prevenir que os alunos de academia entrem no ciclo vicioso pelo corpo perfeito.

“Eu malho todos os dias. Quando me olho no espelho ainda acho que preciso secar mais e aumentar meus músculos, mas não sou bitolado”, afirma o personal trainer Erasmo Bernardo, de 32 anos. Ele diz que se policia com alimentação, evita álcool e pega firme na musculação, mas não deixa de ter compromissos sociais ou saborear alguns prazeres. “Um hambúrguer ou chocolate de vez em quando não faz mal a ninguém. Não posso resumir minha vida à academia”, diz.

Tratamento

Uma vez constatada a doença, o tratamento é multidisciplinar e envolve desde o preparador físico até nutricionista e psicoterapeuta. A equipe ajudará o paciente a identificar as mudanças no comportamento e visão distorcida que ele tem do seu próprio corpo. Em alguns casos é necessário uso de medicamentos para controle de ansiedade, depressão e sintomas de obsessão-compulsiva. “Quando se trata de transtornos como este, é difícil falarmos em cura porque nem sempre é possível separar o comportamento da personalidade da pessoa. O que fazemos é ajudá-la a lidar melhor com a situação”, afirma o psicólogo Thiago.

Características da Vigorexia

De acordo com o Body Dysmorphic Disorder Foundation, instituição norte-americana para conscientização sobre dismorfias corporais, o Transtorno Dismórfico Muscular, popularmente conhecido como vigorexia ou “anorexia reversa” é a preocupação em não ser suficientemente musculoso ou magro (quando não é esse o caso). Ele é caracterizado por:

• Tempo excessivo e esforço exagerado no levantamento de peso para aumentar a massa muscular
• Preocupação e pânico quando não pode comparecer aos treinos
• Preocupação em treinar mesmo lesionado
• Exagero nas dietas especiais ou suplementos proteicos
• Abuso de esteroides e, muitas vezes, uso indevido de outras substâncias
• Camuflagem do corpo por não achar que está perfeito
• Comparações exageradas de corpos
• Sofrimento significativo ou alterações de humor

Galileu, com Agência Einstein

 

Opinião dos leitores

  1. Coloca os corredores de rua na lista também. Só falam em treino, treino e treino e viajar para correr.

  2. Que o diga aquele cantor, Eduardo Costa, o cara parece um ventríloquo, meteu botox na cara, tá tudo esticado, toma bomba que não presta, pra ficar com a barriga chapada e fez algo na mandíbula, alem de abusar do photoshop. Tá horroroso. Tem que se tratar urgente!

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Comportamento

Obsessão com passado sexual pode arruinar relações; entenda o que é ‘ciúme retroativo’

Redes sociais têm histórico de relacionamentos (Foto: Creative Commons)

Os pensamentos obsessivos sobre o passado sexual de sua namorada acabaram com o primeiro relacionamento sério de Zachary Stockill. Demorou até que ele descobrisse que seu problema tinha um nome – e que milhares de outras pessoas também sofrem disso.

Ammanda Major, terapeuta do serviço de relacionamentos Relate:

“Vemos casos em que a pessoa está fixada nos relacionamentos prévios de seu parceiro. Ciúme é algo que muita gente reconhece, mas esse tipo de ciúme é diferente. A pessoa às vezes tem flashbacks de coisas que ela não viu, de que nunca participou. Isso leva a um ciclo obsessivo de pensamentos e um desejo alucinante de chegar à “verdade” do que “realmente aconteceu” entre o parceiro e seu ou sua ex. Podem acabar importunando o parceiro e, em alguns casos, o relacionamento pode se tornar abusivo. Se você é uma pessoa que está obcecada com seu parceiro ou com o passado de seu parceiro, você deve buscar ajuda profissional.”

Abaixo, ele conta sua história:

Eu tinha vinte e poucos anos e, pela primeira vez, estava apaixonado.

Uma noite, minha namorada e eu fizemos o que vários novos casais fazem no começo de seu relacionamento – começamos a falar sobre o nosso passado. Abordamos as relações prévias que nós dois tínhamos tido.

Mudou uma chavinha na minha cabeça.

Nada do que ela falou era fora do normal, nenhum detalhe era chocante, incomum. Mas algo havia mudado.

De repente, eu só conseguia pensar em seu histórico romântico.

Eu cresci em uma cidade pequena em Ontário, no Canadá. Meus pais tiveram um casamento incrível e, na maior parte do tempo, eu também tive uma relação ótima com eles. Não tive problemas relacionados à minha saúde mental ou emocional – não tive depressão, ansiedade, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo).

Amava mulheres.

Aos oito anos, tive duas namoradas! Tive relacionamentos típicos de escola.

Na universidade, conheci e me apaixonei por uma mulher diferente de todas as que eu havia conhecido antes. Ela era extremamente inteligente, linda, artística e curiosa.

Mas quando ela falou sobre sua vida prévia, um sentimento que eu nunca havia experimentado tomou conta de mim.

A maioria de nós tem uma impressão sobre como é ciúme “normal”. Sentir um incômodo quando seu parceiro atrai a atenção de alguém num bar ou algo do tipo.

A maioria das pessoas não gosta da ideia de imaginar seu parceiro com outra pessoa, como um ex, mas o que eu estava sentindo era completamente diferente.

Meu histórico romântico era mais prolífico que o dela, mas a ideia de que ela tivesse tido relações íntimas com outra pessoa que não eu começou a me dar coisas.

Eu não sabia que o que eu estava sentindo é chamado às vezes de “ciúme retroativo”. Eu ainda aprenderia muito mais sobre isso.

Comecei a imaginar cenas da minha namorada com seu ex, como se tivessem acontecendo em tempo real, bem na minha frente. Era como se ela estivesse me traindo.

Seu passado de repente se tornou o meu presente.

Eu focava em um detalhe trivial, pintando uma imagem vívida daquilo. E ainda adicionava outros detalhes, além de fazer eventos insignificantes virarem algo gigante na minha cabeça.

Se saíssemos para comer, eu ficava imaginando se ela e seu ex tinham ido ao mesmo restaurante. Se andássemos em frente a um hotel, eu de repente imaginava se eles tinham tido relações sexuais lá.

Os relacionamentos que ela teve antes do nosso era a primeira e última coisa que eu pensava no dia – de manhã, quando acordava, e a à noite, antes de dormir.

As redes sociais são um poço de informações para essa questão. Há histórico de posts e comentários e imagens do passado do seu ou da sua atual. E eu mergulhei naquilo. Tornei-me um detetive online.

Averiguei fotos antigas, de antes de termos nos conhecido, li comentários, tentando entender quem eram determinadas pessoas, como eles se encaixavam na sua vida, se ela tinha omitido alguma aventura de seu passado.

Essas eram as coisas que eu fiz privadamente, mas também tem as coisas que eu fiz diretamente no nosso relacionamento.

Tenho vergonha de como agi naquela época.

Briga com o passado

Questionava minha namorada incessantemente. Tentava fazê-la se sentir culpada por ter tido relacionamentos ruins no passado. Eu era hipócrita, considerando que meu passado era semelhante ao dela. E ela mal ligava para os meus relacionamentos prévios.

Foi muito difícil para ela. Tente imaginar seu parceiro constantemente brigando com seu passado, te julgando. Depois te fazendo sentir mal sobre isso, obcecado com coisas que não importam mais. Coisas bobas, insignificantes. Acontecimentos dos quais você não teria motivos para se envergonhar.

Apesar disso, minha namorada se mantinha tranquila e amorosa, deixando claro que eu ocupava um lugar especial em seu coração. E isso ajudava por um tempo – até que os mesmos pensamentos e questões voltassem, com intensidade renovada.

Virou um ciclo vicioso de pensamentos que eu não queria ter, da minha namorada me tranquilizando e, com isso, um pouco de alívio. Depois, de volta pro início de tudo.

Nosso relacionamento durou alguns anos, mas eventualmente terminou. Meu ciúme foi um fator central para o término.

Depois que terminamos, me senti culpado e envergonhado durante um longo tempo. Repassava determinadas cenas do nosso relacionamento na minha cabeça e sofria: brigas desnecessárias, esse tipo de coisa. Me sentia culpado por ter sido tão idiota. Não parecia que aquela pessoa era eu. Eu sabia que era eu, mas sentia que havia sido sequestrado por um diabinho. Pode parecer melodramático, mas eu realmente sentia como se havia perdido o controle.

Me abrir com amigos e familiares e até com terapeutas não foi frutífero. Ninguém parecia entender. O conselho mais comum era: “supere”.

Comecei a pesquisar no Google frases como “obcecado pelo passado da namorada” e eventualmente me deparei com a expressão “ciúme retroativo” em fóruns de internet. As pessoas pesquisam a torto e a direito no Google, mas não sabem que há um nome para essa condição. Não era e não é um termo comum.

Pessoas que sofrem de ciúme retroativo caem em um “loop” de pensamentos obsessivos, emoções doloridas, ações irracionais e, por fim, ódio de si. Pelo que li, muitos psicólogos acreditam que entra no espectro de desordens obsessivo-compulsivas.

Nos fóruns de internet, encontrei algumas pessoas que mostravam compreensão e empatia, mas a maioria da retórica ali era tóxica – há muitos homens em fóruns online que parecem odiar mulheres. Há muitos que justificam seu ciúme e usam os fóruns para falar mal de mulheres. E aquilo foi confuso. Era o primeiro lugar em que as pessoas sabiam do que eu estava falando – mas, ao mesmo tempo, um ambiente de misoginia e negatividade.

Outras pessoas nos fóruns apontavam para o extremo oposto: para eles, qualquer um que tinha problemas com o passado do parceiro ou parceira atual era uma pessoa má agindo irracionalmente. Eu discordo.

Não consegui encontrar uma comunidade dedicada ao assunto e queria dar um jeito nisso.

Sentia que precisava de equilíbrio espiritual, então fui a retiros de meditação e comecei a aprender mais sobre budismo. Foi um passo importante para diminuir meu ego. Depois, comecei minha própria pesquisa.

Em seguida, comecei um blog e escrevi um livro – escrito sob um pseudônimo, porque ainda tinha vergonha. A reação ao livro foi imensa. Então, resolvi criar um curso online.

Hoje, mantenho um site onde pessoas podem procurar ajuda e dicas para lidar com ou superar essa condição.

Mais de 120 mil pessoas visitaram meu site no ano passado, de quase todos os países do mundo. E quase metade são mulheres.

Eu achava que ciúme retroativo era algo ligado ao homem e ao ego heterossexual masculino, mas não é o caso. Mulheres hetero, lésbicas e homens gays – pessoas de todas as idades, da adolescência à velhice – entram em contato comigo.

Também recebo muitos emails de pessoas da Arábia Saudita e da Índia, países onde as pessoas não são tão abertas quanto à sexualidade. Acho que quando começar a fazer vídeos no YouTube, terei uma resposta ainda maior.

Os parceiros de quem sofre de ciúme retroativo me mandam emails de partir o coração, perguntando o que podem fazer para ajudar o parceiro a superar o problema. Mas eu sempre enfatizo que quem deve resolver o problema é a pessoa, não seu parceiro. Sei da minha própria experiência – minha namorada não conseguia curar meu ciúme retroativo, não importa o quanto tentasse.

Se alguém está lendo isso e se reconhecendo, a primeira coisa que eu diria é: “Não assuma que você tem algo com o qual tem que viver para sempre. Não é verdade”.

É absolutamente possível superar ciúme retroativo. Eu sou prova viva disso.

Em relação à minha ex, é uma longa história. Tivemos algumas conversas difíceis, mas estamos OK agora. Eu a considero uma amiga, e acho que ela sente o mesmo por mim. Olhando para trás, não consigo imaginar minha vida sem aquele relacionamento, sem tê-la na minha vida. Ela me inspirou a crescer de muitas maneiras que eu não pensava ser possível.

O canadense Zachary Stockill não é um psicólogo ou terapeuta. Ele diz ter passado muito tempo “pesquisando, escrevendo e pensando sobre ciúme retroativo”, mas que não tem as credenciais de psicólogo ou de trabalho social.

Em seu site, ele recomenda começar terapia e um “plano de desenvolvimento pessoal”. Uma das dicas que dá para quem quer começar a tratar o problema, por exemplo, é exercer a gratidão por coisas do seu dia. Depois disso, eleger cinco coisas, entre seu parceiro e você, pelas quais você se sente grato também.

Relato dado a Megha Mohan

G1, via BBC

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