Saúde

Cientistas temem que chicungunha repita febre amarela e se instale em florestas

O ‘Aedes aegypti’ é o mosquito transmissor da dengue, zika e chicungunha Foto: PAULO WHITAKER / Reuters

O vírus chicungunha segue o caminho da febre amarela e ameaça se tornar silvestre no Brasil. Uma vez instalado nas florestas, ele se tornaria impossível de erradicar no país, pois, diferentemente da febre amarela, não existe vacina.

As matas serviriam como fonte perene da doença, que se espalhou pelas cidades brasileiras e causa epidemia urbana no Rio, alertam os autores da descoberta, cientistas dos institutos Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e Pasteur, na França.

Publicado na revista científica “Plos Neglected Tropical Diseases”, o estudo tem implicação direta no controle da infecção.

Como a febre amarela, a chicungunha é causada por um vírus de origem africana, e desembarcou no Brasil como uma doença humana. A forma urbana de ambas as febres é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti .

Mas o grupo liderado pelo entomologista da Fiocruz Ricardo Lourenço, um dos maiores especialistas do país em insetos transmissores de doenças, descobriu que duas espécies de mosquitos silvestres comuns no estado do Rio são capazes de transmitir o chicungunha.

— Existe a forte possibilidade de que os mosquitos silvestres já estejam infectados. É um grave problema de saúde pública, pois vai dificultar ainda mais o combate à doença — afirma Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC. — Mais do que nunca, vigilância sanitária é crucial, e ela também precisa ser feita nas matas, com mosquitos e macacos.

Lourenço e seus colegas coletaram em matas do estado do Rio mosquitos silvestres das espécies Haemagogus leucocelaenus e Aedes terrens . Ambas são comuns e encontradas em grande parte das florestas da América do Sul, da Mata Atlântica à Amazônia.

Em laboratório, os pesquisadores infectaram os mosquitos com o chicungunha e viram que este se multiplicava nos insetos e era passado adiante apenas três dias após terem contraído o vírus.

— Nosso próximo passo é descobrir se os macacos ou outros animais silvestres brasileiros podem funcionar como reservatórios do chicungunha, a exemplo do que aconteceu com a febre amarela — explica Lourenço.

Este mesmo grupo de pesquisadores já havia alertado em 2014, antes da detecção dos primeiros casos de chicungunha, que os Aedes aegypti e albopictus poderiam transmitir o vírus.

A febre amarela é uma enfermidade que acompanhou a escravidão. Os navios negreiros do século XVII trouxeram da África o vírus e o mosquito Aedes aegypti , seu transmissor.

A febre era inicialmente urbana, mas o vírus se espalhou e, nos anos 1930, a forma silvestre foi descrita no Vale do Canaã, no Espírito Santo.

O vírus tornou-se capaz de infectar os mosquitos silvestres, que se tornaram o principal reservatório; os insetos o transmitiram para suas vítimas preferenciais, os macacos, que se tornaram hospedeiros.

Epidemia silvestre

Mas não é o homem que morre da doença do macaco. É o macaco que morre da doença do homem. A epidemia de febre amarela iniciada em 2016 é silvestre.

Já o chicungunha — descoberto na África, em 1952 — chegou ao Brasil, aparentemente, em 2014.

Em países africanos há surtos simultâneos das formas urbana e silvestre. Os macacos africanos são suscetíveis a eles. Porém, os primatas brasileiros são de outras espécies e não se sabe se apresentam vulnerabilidade.

Se o Aedes aegypti é um inimigo formidável, presente em quase 90% dos municípios brasileiros, os mosquitos silvestres têm hábitos de vida que também os tornam extremamente difíceis de combater.

Eles põem seus ovos em ocos de árvores e conseguem sobreviver mesmo em temperaturas mais frias.

O Globo

 

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