Finanças

Número de pessoas superendividadas no Brasil chega a 30 milhões

Existem superendividados ativos e passivos. Foto: Pixabay

Cerca de 30 milhões de brasileiros não conseguem mais pagar suas dívidas, segundo dados do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). Chamados de superendividados, os indivíduos deste grupo representam 15% da população brasileira e metade do número de pessoas inadimplentes no país, que, segundo o SPC Brasil, fechou 2018 com 62,6 milhões de CPFs negativados.

Ainda de acordo com uma pesquisa do SPC, 36% da população não controla a vida financeira, e as desculpas mais usadas são de que os cálculos podem ser feitos de cabeça, têm preguiça, falta de tempo e falta de disciplina para administrar as finanças.

Nesse grupo de superendividados está a secretária Márcia*. Ao ficar desempregada, ela viu as contas se acumularem e virarem um grande problema na sua vida. Hoje, tem uma dívida de mais de R$ 30 mil que compromete sua rotina.

Márcia trabalhava em uma empresa e teve um problema de saúde que causou o seu afastamento pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) por um ano. Assim que voltou ao emprego, foi demitida e passou a usar o cartão de crédito para pagar contas básicas, como compras de mercado.

Hoje, tem pelo menos R$ 3.000 em dívidas com dois bancos, deve R$ 20 mil de condomínio e R$ 8 mil de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

“Eu ainda estou devendo. Quando tocava o interfone, eu achava que era um oficial de Justiça. Isso prejudicou muito mais a minha saúde”, conta, afirmando que procurou ajuda psiquiátrica para conseguir lidar com a situação. Márcia chegou a receber intimações judiciais, além de ligações e e-mails cobrando o pagamento das dívidas em atraso.

Atualmente, a secretária paga as contas básicas sempre com 30 dias de atraso, mas não mais do que isso. Ela conta que hoje não tem mais gastos para cortar, já que possui apenas internet, água, luz, gás e telefone.

Pressão para pagar

“A pressão que existe para você pagar é a pior coisa. Eu não atendo telefone que eu não conheço. Tem hora que até desligo. Eu tive que mudar de e-mail, porque era um tal de gente mandando coisa de cobrança”, conta. “Passei muita noite em claro [pensando nas dívidas], mas não resolve”, afirma Márcia, que alega não perder o otimismo mesmo frente às dificuldades.

O superendividamento pode ter duas definições, diz a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. Segundo ela, ele ocorre quando a dívida da pessoa é superior ao seu salário e quando as dívidas começam a prejudicar o orçamento e a vida da família.

Já a professora de economia comportamental da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e planejadora financeira Paula Sauer afirma que existem dois tipos de superendividados: o ativo e o passivo. O primeiro é aquele que consome além das possibilidades do seu orçamento, enquanto o segundo se endivida por causa de imprevistos da vida, como desemprego, redução de salário e doenças.

Para Paula, é importante entender que nem todo endividado é irresponsável e acumula dívidas por falta de controle com as finanças. A professora da ESPM diz que tanto o ativo como passivo têm em comum o excesso de otimismo, assim como ocorre com a secretparia Márcia. “Eles têm sempre a sensação de que aquilo é uma situação temporária, de que vai melhorar, e acabam por minimizar o risco na hora em que pegam o empréstimo, pois acham que vai se solucionar muito rápido”, explica.

O histórico familiar também é um ponto que influencia o comportamento de cada um com o dinheiro. “De uma maneira geral, a gente vai aprender a lidar com dinheiro com a família de origem — pai e mãe ou quem representa esse núcleo. A gente não senta e ensina sobre finanças”, afirma.

Paula diz que o dinheiro compra muito mais do que bens e serviços e, por isso, está diretamente ligado com as emoções dos brasileiros. “O dinheiro é muito simbólico. Compra o sucesso, as amizades, deixa você participar de eventos de que não participaria sem ele.”

O endividamento, nesse cenário, muitas vezes acontece para que a pessoa não tenha que mudar o padrão de vida e não mostrar para os outros que está passando por dificuldades. Segundo Paula, aceitar a redução do padrão de vida gera o sentimento de fracasso e de dor. “As pessoas se endividam para não ter essa sensação.”

Crise e falta de educação financeira

Marcela diz que a crise econômica e a falta de educação financeira também são dois fatores que levam ao superendividamento dos brasileiros. “O brasileiro tem dois problemas. Um é a crise economia, que pegou todo o mundo, não teve quem não sofresse. Mas tem um segundo ponto que independe do tempo. O brasileiro não tem educação financeira e não coloca a vida financeira como prioridade”, afirma.

Segundo ela, se houvesse mais planejamento por parte de todos, a crise demoraria mais para impactar no bolso dos brasileiros, que conseguiriam se virar por um pouco mais de tempo, mesmo desempregados. A falta de educação financeira e o acesso a crédito pioram ainda mais a situação.

Marcela diz que uma pesquisa do SPC mostra que houve uma melhora na quantidade de brasileiros que pouparam para pagar as contas do começo de 2019 — passou de 21% em 2018 para 31% em 2019. No entanto, receia que a melhora seja pontual. “As estratégias foram de curto prazo, como pesquisar mais, trocar marca. Quando a gente fala de aposentadoria, reserva para imprevisto, esse tipo de coisa não teve mudança. Meu medo é que, quando você muda só um pedaço da estratégia, não tenha havido uma conscientização de fato.”

O coordenador do MBA de gestão financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas) Ricardo Teixeira diz que, por causa da crise, muitas pessoas que tinham condições de arcar com as dívidas perderam esse poder e ficaram superendividadas. A crise, segundo ele, também desestruturou o planejamento de famílias, que passaram a ganhar menos do que precisavam para se manter.

De acordo com o Banco Central, algumas causas para o superendividamento são “situações inesperadas ou de força maior, tais como a perda de emprego, uma doença em pessoa da família; a morte de cônjuge, divórcio e salários atrasados.Também há situações que envolvem um comportamento ou uma avaliação equivocada, tais como consumo irresponsável, má avaliação do orçamento doméstico (gastar mais do que ganha), contratação de crédito caro etc”.

Os superendividados que não souberem por onde começar a resolver seu problema podem procurar o Procon local e Tribunais de Justiça que tenham programa para superendividados, como é o caso de Brasília.

Caso haja cobrança abusiva de juros ou outros problemas legais, é possível procurar a Justiça. Para não fazer novas dívidas com advogados, Marcela orienta que a pessoa procure escritórios modelo de faculdades, em busca de aconselhamento gratuito.

Como lidar com as dívidas

A economista-chefe do SPC diz que o primeiro passo para todo endividado é analisar se a dívida é, de fato, importante. Marcela exemplifica citando um carro: a pessoa precisa decidir se é melhor devolver o veículo e acabar com as pendências. No caso de motoristas de aplicativo, por exemplo, o bem é um instrumento de trabalho e, por isso, será preciso encontrar outras formas de arcar com a dívida.

Quando a dívida vem de um empréstimo, a alternativa é fazer um ajuste no padrão de vida, já que não há como “devolver” o empréstimo ao credor. “Isso é sacrificante, mas o padrão de vida vai ter que caber no que sobra no orçamento”, afirma.

Para Marcela, o ideal é priorizar as dívidas atrasadas, que geralmente possuem taxas de juros. O endividado precisa sentar e anotar todos os gastos para entender o que pode ser redirecionado para o pagamento da dívida.

“Tem que ser muito frio nessa hora para achar dinheiro”, afirma. Marcela diz, por exemplo, que uma família que possui pacote de TV paga, mas não usa todos os canais, pode cancelar o serviço ou reduzir o pacote para pagar menos. O dinheiro da diferença pode ser redirecionado para a dívida.

O corte de gastos pode trazer tristeza e preocupação para os superendividados. Mas, segundo Paula, o mais importante é entender o que é essencial e supérfluo para aquela pessoa. É importante que ela mantenha as atividades que não conseguiria viver sem.

Depois de realizar a análise das contas, é o momento de se encontrar com o credor para renegociar a dívida. Se tentar renegociar sem entender seus gastos, a chance de não conseguir arcar com o compromisso de novo é grande.

Teixeira afirma que ser sincero com o credor é muito importante. “Você precisa ser transparente e verdadeiro. Não adianta aceitar uma negociação que não cabe no bolso e tentar esticá-la demais. É um ganha-ganha”, afirma.

Além disso, guardar as contas é importante tanto quando é preciso acionar a Justiça quanto para entender qual o gatilho que gerou o endividamento. “Mais do que pagar a dívida, preciso saber por que eu entrei no looping de endividamento e não entrar mais. As contas antigas vão te contar uma história. Você não quer ver, mas vai te mostrar por que você gastou mais [do que podia].

Dívidas para priorizar

Marcela indica que existem dois tipos de dívidas que devem ser priorizadas: aquelas põem em risco serviços básicos, como água e luz, e as que possuem altas taxas de juros.

Além de analisar as contas e renegociar a dívida, é preciso acabar com o acesso a novas dívidas. “O superendividado acaba pedalando na dívida dele e vai todo mês piorando a situação. Cortar o acesso ao cheque especial e ao cartão de crédito para evitar tapar o buraco de ontem e abrir um maior ainda amanhã”, afirma.

Hoje, a taxa de juros do cheque especial e do cartão de crédito são algumas das mais altas do mercado – 305,7% e 255,6%, respectivamente, segundo os dados do Banco Central divulgados em dezembro de 2018. Para acabar com o acesso, o endividado deve solicitar o cancelamento destes serviços em uma agência bancária.

Para Teixeira, além de analisar as taxas de juros das dívidas, é importante priorizar aquelas que o endividado vai conseguir se livrar logo. “Você vai querer quitar os compromissos com taxas mais elevadas e que você consegue quitar no curto e médio prazo [mais baratas]”, afirma.

Fique atento!

Marcela, por sua vez, afirma que, no momento do desespero, pessoas procuram ajudas “milagrosas”, que prometem limpar o nome e acabar com a dívida sem ter que pagá-la. “Se você fez a dívida, é difícil que a alguém faça milagre. Muita gente acaba caindo no golpe e gasta dinheiro adicional”, alerta.

* O nome foi trocado para preservar a identidade da entrevistada.

R7

 

Opinião dos leitores

  1. Essa é a herança deixada pelos 16 anos de desmando e roubalheira patrocinado s pelos Petralhas e agregados.

  2. Eu acho bonito esse discurso dessas professoras especialista em marketing, economistas, planejadoras de outras bostas dizerem que o endividado é irresponsavel… quero ver vim para o lugar de quem trabalha o mes inteiro e nao recebe o salario pra pagar as contas com nós servidores do RN, e mais ainda com familia com crianças ainda pequenas!!! se fosse eles ,ECONOMISTAS E OUTROS BOSTAS FALADORES priorizariam o que??? a conta do cartao de crédito ou o alimento do seus filhos??? e outra ninguem se endivida tanto assim por que quer nao, existem varios fatores tipo doenças e outros imprevistos!! esse povo especializado em falar, estao falando em favor dos patroes!!!

  3. A culpa do endividamento é muitas vezes do governo que não paga nossos precatórios, atrasa nossos salários, nossos décimos e nossos dissídios.

Comente aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Diversos

Grandes empresas superendividadas

Geração de caixa não dá para pagar as despesas financeiras

O processo de endividamento crescente a partir de 2010 levou um conjunto relevante de grandes empresas a uma situação dramática: a geração de caixa dessas companhias não está cobrindo sequer as despesas financeiras. Esse é o resultado de uma combinação perversa da recessão com a desvalorização da taxa de câmbio, juros elevados e queda das vendas.

A constatação é de um minucioso trabalho feito pelo Cemec (Centro de Estudos do Instituto Ibmec), cujo título – “Endividamento das Empresas Brasileiras: Metade das Empresas não Gera Caixa para Cobrir Despesas Financeiras em 2015/2016”- já mostra o retrato da situação.

O universo pesquisado envolve 605 empresas não financeiras, sendo 256 de capital aberto e 349 fechadas. A grande maioria teve receita operacional líquida superior a R$ 400 milhões em 2015. As empresas são responsáveis por uma dívida bruta de R$ 1,91 trilhão, ou seja, por 56,2% do total da dívida de todas as empresas não financeiras do país que, em 2015, era de R$ 3,4 trilhões. Do grupo analisado, R$ 1,44 trilhão corresponde a dívida das empresas abertas e R$ 470,00 bilhões das fechadas.

Os números mostram grande concentração do endividamento em um pequeno número de empresas da amostra: 77 companhias respondem por 80% da dívida bruta, tanto em crédito bancário, quanto em dívidas corporativas do mercado de capitais e externa.

Dos vários indicadores construídos no trabalho, o mais utilizado foi feito com base em dados de balanço e estabelece relação entre um indicador contábil de geração de caixa (dado pelo Ebtida) e as despesas financeiras, ambos apurados pelo critério de competência. A Petrobras, por seu tamanho e elevado nível de endividamento, foi isolada para não afetar a realidade das contas das demais companhias, explicou o economista Carlos Antônio Rocca, diretor do Cemec.

Em 2010, 22,6% das empresas avaliadas estavam com fluxo de caixa menor do que as despesas financeiras. Em 2015 esse número mais do que dobrou e praticamente metade (49%) das companhias da amostragem chegou a essa situação, sendo que no dado agregado, a geração de caixa era suficiente para cobrir apenas 58% dos gastos com o endividamento.

O fluxo de caixa das 605 empresas abertas e fechadas correspondia, em 2010, a 20% da receita operacional líquida e, em 2015, caiu para apenas 10%. Ao mesmo tempo, a dívida financeira que em 2010 era de 30% da receita operacional líquida, em 2015 subiu para 44%, abrindo uma “boca de jacaré”.

Para as empresas de capital aberto, o quadro no primeiro semestre de 2016 piorou. A proporção de empresas em que a geração de caixa era insuficiente para pagar dívidas aumentou de 50,2% em 2015 para 54,9% nos doze meses encerrados em junho deste ano. Rocca acredita que, no caso das companhias fechadas, que não divulgam balanços trimestrais. As condições também não se reverteram.

A dívida das empresas em que a geração de caixa é inferior aos encargos financeiros representa 54,4% da dívida total da amostra. Nas companhias de capital aberto a porcentagem aumentou de 59,7% em 2015 para 67,7% nos doze meses encerrados em junho de 2016.

O cruzamento de dados dos balanços com informações do Banco Central revelam um acentuando aumento do volume de créditos renegociados por prazos mais longos e carência, na expectativa de que a economia se recupere.

Como salienta Rocca, não é possível vislumbrar a superação desses problemas sem a retomada do crescimento das vendas e redução da taxa de juros, com a consequente recuperação de margens de geração de caixa. Do lado da taxa de câmbio, houve um certo alívio com a cotação do dólar frente ao real que caiu de R$ 3,90 em 2015 para R$ 3,21 no fim do primeiro semestre de 2016.

Diante desses dados, uma coisa é certa: não virá desse universo de grandes empresas privadas o primeiro impulso para a tão necessária expansão dos investimentos. Ao contrário, com baixo retorno, elevado nível de endividamento e ampla capacidade ociosa, não se pode esperar nem novos investimentos nem geração de empregos por esse conjunto de companhias no curto prazo.

Ao contrário, o que fica evidente é a dependência, para a recuperação dessas empresas, do sucesso da política econômica, em particular da política fiscal, para que se crie um ambiente em que a taxa de juros possa cair e a retomada do crescimento econômico seja sustentável.

A situação coloca em realce, também, a extraordinária importância do programa de concessões de obras de infraestrutura, que o governo prepara para divulgar no próximo dia 13, para retirar a atividade econômica da anemia em que se encontra, abrindo um leque de possibilidades de novos investimentos na expansão da oferta.

Valor Econômico

Comente aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *