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Tumor transmissível que afeta cães existe há mais de 10 mil anos, diz estudo

 Um cão que morreu no fim da Era do Gelo, há 11 mil anos, parece ter conseguido uma estranha forma de imortalidade. Uma versão modificada de seu DNA continua circulando pelo mundo –não no organismo de seus descendentes, mas numa forma transmissível de câncer que hoje afeta cachorros do mundo inteiro.

Os dados sobre a surpreendente antiguidade desse tipo de tumor estão em pesquisa na revista especializada “Science”. O estudo reuniu cientistas da Universidade de Cambridge e um médico veterinário da Unesp, entre outros pesquisadores mundo afora, num esforço para obter o genoma completo desse tipo de câncer.

A leitura do DNA do CTVT (sigla inglesa de tumor venéreo transmissível canino) acabou sendo feita a partir de cânceres de dois cães: um vira-lata criado por aborígines da Austrália e uma cocker spaniel de Franca, no interior paulista, que recebeu tratamento para a doença na Unesp.

“A equipe buscou amostras de cães do mundo inteiro, mas a qualidade do DNA obtido do nosso paciente permitiu que um cão do Brasil fosse utilizado para estimar algumas informações importantes sobre o tumor”, explica Andrigo Barboza de Nardi, do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Unesp de Jaboticabal (interior de SP), coautor brasileiro do estudo.

TEM CURA

Como o nome da doença indica, o CTVT costuma ser transmitido pelo ato sexual. Os tumores, em geral, ficam no pênis ou na vulva dos bichos, e as células cancerosas acabam indo parar no parceiro por causa do contato durante a cópula. É comum os tumores regredirem espontaneamente ou, quando tratados com quimioterapia, desaparecerem com relativa facilidade, embora a cocker que doou seu DNA não tenha tido essa sorte.

“Essa paciente em especial tinha uma história mais complicada quando chegou até nós para ser atendida”, explica Nardi. “Além da genitália afetada, havia metástases [espalhamento do tumor] em outros órgãos, já bastante comprometidos, e acabou acontecendo a morte.”

O CTVT tem algo de enigma biológico porque é um dos únicos cânceres transmissíveis conhecidos, e isso desde o século 19, quando foi identificado pela primeira vez. Na prática, ele se comporta como um parasita, quase como se fosse um ser vivo “independente”, embora seu efeito sobre o organismo do “hospedeiro” seja como o de qualquer outro câncer.

A análise do DNA dos dois tumores e de seus “donos” indica que a comparação com um parasita não é descabida. O DNA dos dois cânceres tem milhões de mutações (alterações genéticas) em comum entre eles, mutações essas que são totalmente diferentes do perfil genético dos cães hospedeiros. Fica claro que os tumores descendem do mesmo ancestral.

Foi usando variantes genéticas típicas dos tumores, e comparando-as com as de diversos cães mundo afora, que a equipe conseguiu estimar a idade de 11 mil anos para a primeira aparição da doença (a margem de erro é de cerca de 1.500 anos para mais ou para menos). E os genes trazem até um “retrato falado” do cão que deu a origem a doença – seria um bicho com algo de lobo, parecido com os atuais huskies siberianos.

Entender melhor o genoma do CTVT pode ajudar não apenas a melhorar o tratamento dos cães afetados como também a enfrentar outras formas de câncer. O parasita é, por exemplo, um mestre na arte de enganar o sistema de defesa de seus hospedeiros, fator importante no combate a outros tumores.

Folha

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