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Fifa ignora Código do Consumidor e vai multar quem cancelar ingresso da Copa

selecao-defesaContrariando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Fifa não dará ao torcedor o direito ao arrependimento em caso de desistência de compra pela internet de ingressos para jogos da Copa do Mundo 2014. A primeira fase de vendas, exclusivamente on-line, começou no dia 20 de agosto e termina no próximo dia 10. O artigo 49 do CDC prevê que o consumidor possa cancelar compras feitas fora de estabelecimento comercial até sete dias corridos após o recebimento do produto ou assinatura do contrato e receber o dinheiro pago corrigido, como ocorre no comércio eletrônico. No entanto, ao reservar ingressos para o torneio, automaticamente o torcedor está sujeito ao pagamento de taxa de cancelamento caso seja sorteado e desista do bilhete. A tarifa pode chegar a 20% do preço da entrada. Em valores absolutos, a multa pode variar de R$ 3 a R$ 396, dependendo do valor do ingresso.

Os Procons consideram a aplicação da taxa abusiva, mas a cobrança está amparada pela Lei Geral da Copa (Lei 12.663/12), que dá à Fifa o poder de criar suas próprias regras para cancelamento, devolução e reembolso. As multas por desistência vão ser discutidas na reunião geral das entidades de defesa do consumidor, marcada para dezembro. A partir desse debate, explica a presidente da Associação Brasileira de Procons, Gisela Simona, vai haver uma orientação geral sobre como tratar as reclamações que podem até já ter chegado aos órgãos, pois a confirmação da primeira fase da compra a torcedores ocorre de 11 de outubro a 4 de novembro.

No regulamento de venda de ingressos, a Fifa informa que a taxa cobrada em caso de cancelamento é “para fins de reembolso dos custos administrativos gerados pela operação, da necessária realocação e nova emissão do ingresso e para compensar a Fifa pela reduzida chance de revendê-los”. Para Gisela, a Fifa terá tempo suficiente para revender bilhetes cancelados, já que os jogos só ocorrem a partir de junho de 2014, e não haverá prejuízo à entidade:

— Infelizmente tivemos a aprovação de uma lei que dá à Fifa o direito de estabelecer multa para desistência de compra mesmo dentro dos sete dias, que no CDC caracteriza o direito de arrependimento. Mas, apesar de a Lei da Copa ser especial, por regular um evento específico e temporário, e prevalecer sobre uma lei geral como o CDC, na hora da interpretação o código precisa ser levado em conta.

A taxa varia segundo a data de cancelamento. Será de 10% do preço dos ingressos caso o cancelamento seja solicitado até 96 horas após o recebimento da confirmação de compra; ou de 20% para solicitações feitas 96 horas após a ratificação do pedido. O consumidor será reembolsado pelo que pagou, descontada a taxa.

Entidade não aceita cancelamento parcial de compra

E há outro agravante. O torcedor não recebe esta informação no ato da inscrição para compra. Para acessá-la é preciso entrar no site oficial do torneio e clicar nos links “Ingressos” e depois “Legal”. A informação integra o sétimo dos 19 capítulos do “Regulamento de Venda de Ingressos para o Público em Geral”. Há ainda a possibilidade de rescisão do contrato de venda até o limite de 48 horas antes do jogo. Nesse caso, no entanto, a multa é de 30%.

Marília Lopes, Analista de Atividades de Defesa do Consumidor do Procon-DF, critica a falta de transparência:

— O problema é que estas regras são expostas apenas no site do torneio, de maneira confusa, escondida, em linguagem pouco acessível. Por isso, é nosso papel divulgar o regulamento de forma clara, para orientar o consumidor.

Renan Ferraciolli, assessor-chefe do Procon-SP, tem esperanças de que a Fifa volte atrás e isente o consumidor de multa no período de sete dias de desistência:

— A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e com Procons das cidades-sede da Copa já estiveram reunidos com a Fifa discutindo questões relacionadas ao CDC, pedindo maior transparência. A Constituição não pode ser rasgada.

A Fifa exige, ainda, que o cancelamento seja solicitado pelo titular da entrada, não sendo permitido o cancelamento parcial. Isto é, se o torcedor comprou quatro ingressos, terá de cancelar todos.

Os ingressos são nominais, por isso, trocas e revendas estão condicionadas a regras da Fifa. É admitida a possibilidade de transferência, por exemplo, a membro da família e em casos de doença grave ou morte do titular do ingresso. As transações têm de ser feitas em plataforma própria da Fifa, ainda a ser divulgada. Em caso de revenda, o consumidor receberá o valor do ingresso, descontados 10%.

O esquema de venda é o mesmo da Copa das Confederações. Os interessados têm de entrar no site da Fifa e fazer reserva e só saberão se adquiriram as entradas a partir de 11 outubro, após sorteio. A carga inicial de um milhão de ingressos.

DPDC pedirá esclarecimento à Fifa

Amaury Oliva, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, informa que a partir das denúncias dos Procons notificará a Fifa a prestar esclarecimentos sobre o processo de desistência:

— Havendo conflito entres as duas regras (o CDC e a Lei Geral da Copa), prevalece a Constituição Federal que estabelece a defesa do consumidor como um princípio da ordem econômica.

Procurada, a Fifa limitou-se a dizer, por meio de nota, que “o Regulamento de Venda de Ingressos para o Público em Geral está de acordo com a Lei Geral da Copa e em coordenação com os órgãos de proteção ao consumidor.”

Amanhã, no Rio, o Comitê de Consumo e Turismo, coordenado pela Senacon, se reúne com as entidades do consumidor locais, representantes do setor de turismo e secretarias municipais e estaduais envolvidos com a realização da Copa, para tratar da prevenção de problemas de consumo, dos procedimentos a serem adotados para solução rápida, caso eles ocorram, e da produção de material educativo.

O Globo

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