Saúde

Músculos bem exercitados liberam substâncias que ajudam a prevenir e controlar demências, cânceres e inflamações

Foto: Shutterstock

Os benefícios dos exercícios superam em muito a ultrapassada visão de que proporcionam apenas emagrecimento e condicionamento cardiovascular. Eles ajudam a prevenir e controlar doenças tão variadas quanto câncer, diabetes, demências, fragilidade óssea e inflamação. E por trás desse poder todo estão pelo menos 650 substâncias produzidas pelos músculos esqueléticos, quando exercitados. Elas são tão potentes que podem até mesmo melhorar a resposta do sistema imunológico à vacinação contra a Covid-19.

Algumas dessas substâncias são recém-descobertas e a função de somente 5% delas é conhecida, revela uma revisão de estudos publicada na revista científica Frontiers in Physiology. Chamada “The role of the muscle secretome in health and disease” (O papel do secretoma dos músculos em saúde e doença, em tradução livre), ela mostra o estado da arte sobre o conhecimento da complexa bioquímica dos músculos. O secretoma muscular é o conjunto das substâncias produzidas pelos músculos.

O pouco que já se descobriu maravilha cientistas e abre caminho para um uso ainda mais eficiente da atividade física na prevenção e combate das doenças, além de retardar o envelhecimento. Os músculos ativos ajudam até mesmo a tornar a pele mais saudável.

Mais do que força e sustentação, os músculos são fábricas de bálsamos para a boa vida. Estes são hormônios, fatores de crescimento, substâncias do sistema imune, toda uma gama de proteínas poderosas.

Essa fábrica funciona movida pela contração muscular feita toda vez que os músculos são exercitados. Ela produz substâncias chamadas coletivamente de miocinas. Elas fazem a comunicação dos músculos com outros órgãos, como sistema imunológico, cérebro, fígado, pâncreas, ossos, intestinos, pele, tecido adiposo (gordura) e vasos sanguíneos. Também são fundamentais para a hipertrofia, regeneração e funcionamento dos próprios músculos.

Não à toa, cientistas recomendam exercícios para pessoas com câncer, diabetes e doenças neurodegenerativas.

Combinados, os cerca de 700 músculos esqueléticos (o número varia entre 650 e 840, não há consenso na literatura científica) são o maior órgão endócrino do corpo, afirma o especialista em medicina do esporte Claudio Gil Araújo, diretor da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex).

Os músculos são o órgão mais pesado do corpo, correspondem a cerca de 40% do peso. Mas suas funções bioquímicas são ainda mais significativas. Eles produzem miocinas exclusivas, mas também fazem e liberam substâncias produzidas por outros órgãos.

Um exemplo dos efeitos benéficos dos músculos exercitados vem de uma recém-publicada pesquisa de cientistas brasileiros, ainda em preprint. Realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e de outras instituições, ela mostrou que a atividade física melhora a resposta à vacinação contra a Covid-19, mesmo em pessoas com comprometimento do sistema imunológico.

Os cientistas analisaram a diferença da resposta à CoronaVac em pessoas com doenças reumáticas autoimunes. As que eram fisicamente ativas produziram mais anticorpos do que as sedentárias, explica um dos autores do estudo, Hamilton Roschel, coordenador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e da Faculdade de Medicina da USP.

— Tudo funciona melhor em que faz atividade física regular, o sistema imunológico, o cardiovascular, o metabolismo, o cérebro. Absolutamente tudo — frisa Roschel.

Nossa grande orquestra

Quando nos exercitamos, uma orquestra começa a tocar. O maestro é a contração muscular e os músicos, as miocinas. Elas tocam em resposta de umas às outras. Compõem uma melodia. Quanto mais atividade física e, portanto, contração muscular, mais os músicos tocam, liberando outras substâncias, notas musicais que dão o ritmo do organismo. Já o sedentarismo é silêncio e desarmonia, isto é, doença.

Algumas miocinas, por exemplo, captam a glicose no sangue e reduzem a glicemia. São um tratamento natural para o diabetes. Outras respondem à vasodilatação, remodelam a matriz do endotélio (o revestimento do interior dos vasos sanguíneos) e, com isso, reduzem a hipertensão.

O exercício atua sobre a morfologia cerebral. A ação é tão profunda que eles atuam sobre os microRNAs e, com isso, ajudam a regular a síntese de proteínas. E a prática regular de exercícios reduz a inflamação, um dos grandes males da vida moderna, afirma o estudioso da fisiologia dos músculos José Cesar Rosa Neto, do Laboratório de imunometabolismo do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Estimulados por exercícios, os músculos liberam substâncias com ação anti-inflamatória. São as interleucinas 4, 6, 10 e 13. Só há relativamente pouco tempo, a ciência descobriu que os músculos e não apenas as células do sistema imunológico produzem essas substâncias.

A interleucina 6 (IL-6) ganhou destaque na pandemia, por sua associação com o agravamento da Covid-19. Em pacientes graves de Covid-19, ela se mostra elevada e gatilho para temida tempestade de citocinas (ela própria é uma delas), um desequilíbrio inflamatório cujo desfecho pode ser a morte.

Muita IL-6 quase sempre é sinal de problemas para Covid19 e outras doenças inflamatórias. Mas não quando o exercício entra em campo. Rosa Neto diz que durante o exercício o nível de IL-6 chega a aumentar 100 vezes. Mas decai tão depressa quanto aumenta. E, nesse meio tempo, combate inflamações. É como se a IL-6 sofresse de bipolaridade. Se persistentemente elevada, caso da Covid-19 e outras doenças, ela gera inflamação grave. Já doses altas e breves têm efeito oposto e benéfico, um eficiente antiinflamatório.

A relação com a IL-6 exemplifica toda a sutileza e complexidade envolvidas na relação entre músculos e o restante do organismo. Uma relação vasta e sobre a qual se sabe pouco. Estima-se que o número de miocinas seja muito maior do que 650, com milhões de possíveis interações. É uma orquestra que toca e se renova toda vez que uma pessoa se exercita e contrai os músculos.

Nessa orquestra, intensidade e tempo do exercício dão o tom, diz Rosa Neto. Às vezes, é preciso mais tempo, provável caso da maioria das miocinas de ação antiinflamatória.

Aliadas contra o câncer

Mas em outros é a intensidade que dá a nota certa. Um exemplo é a interleucina 15, que tem ação antitumoral. Os músculos a secretam quando submetidos a exercícios intensos. A IL-15 ativa a produção dos linfócitos T Killers, assassinos em português. Essas células do sistema imunológico patrulham o organismo em busca de células infectadas ou defeituosas (caso das cancerígenas) e as matam.

— A IL-15 deixa os linfócitos killers mais atentos e eficientes. Uma coisa é certa. A atividade física regular realmente melhora a imunidade — explica Rosa Neto.

Para algumas substâncias, é preciso mais do que tempo e intensidade. É o caso do BDNF, fundamental para a sobrevivência e o bom funcionamento dos neurônios. Para que ele seja liberado, é preciso que os músculos das pernas sejam exercitados. Os dos braços não têm importância nesse caso específico, observa Rosa Neto.

— Em seu conjunto, os músculos são nosso maior órgão endócrino e são muito fáceis de estimular, basta contrair. Mas um dos grandes desafios é descobrir qual o padrão de liberação das miocinas — salienta Rosa Neto.

Sem movimento, sem saúde

Se fazer atividade física faz bem, a ausência de movimento faz mal. Mexer-se, em qualquer nível, é fundamental. A atividade física é imprescindível para manter o organismo funcionando em equilíbrio.

— O corpo é como um carro novo. Você pode ter um modelo incrível, mas ele vai estragar se ficar parado na garagem — diz Roschel.

Segundo ele, não é preciso fazer o exercício de influenciadores digitais ou obrigatoriamente ir para a academia. O importante é se mexer. Tampouco é necessário horário específico, essencial é aumentar o tempo dedicado à atividade física dentro da rotina diária, diz Roschel, que tem um projeto que investiga qual a forma mais eficiente de fazer isso.

Assim caminha a Humanidade

Os exercícios tentam compensar a falta de atividade física regular no padrão para o qual corpo humano evoluiu. O corpo não foi feito para ficar parado. Ele adoece e morre. O modelo de fábrica da natureza, diz Claudio Gil Araújo, é andar rapidamente. Foi assim que a Humanidade caminhou pela maior parte de sua jornada iniciada há mais de 300 mil anos.

Mas correr, nadar, pedalar, fazer musculação, dançar e uma série de outras atividades funcionam como paliativos em nossa época, em que passamos a maior parte de nosso tempo sentados ou deitados.

— Não serão míseras décadas de modo de vida moderno e sedentário que transformarão o organismo humano. Não à toa o sedentarismo é considerado doença — diz Araújo.

Ilusões e pílulas mágicas

Tanto Araújo quanto Rosa Neto consideram improvável que seja possível desenvolver uma pílula do exercício.

— Os músculos são acionados de muitas formas, em momentos distintos e com interações variáveis, com diferentes intervalos e dosagens. É impossível concentrar tudo isso numa droga — afirma Rosa Neto.

Consenso entre os cientistas é que por si só os exercícios são medicamento naturais e poderosos contra velhas e novas doenças.

O Globo

Opinião dos leitores

  1. Prezado Bruno, vou ler essa matéria reproduzida em seu blog. Os músculos, se devidamente trabalhados, são muito importantes para o bem-estar e a saúde geral.

  2. BG, não fale em musculosos não, se não alguns que fazem comentários aqui, vão ficar com aquele órgão piscando, igual árvore de natal kķkkk.

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Saúde

Falta ‘pílula do dia seguinte contra Covid’ para controlar pandemia, diz médico

Foto: Christina Victoria via UnSplash

Em entrevista à CNN Rádio nesta segunda-feira (2), o infectologista da Unifesp, Ricardo Sobie, avaliou que o combate ao coronavírus tem que ser “multifatorial”. Ele explicou que o arrefecer dos números da pandemia não será “exclusivamente propiciado pelas vacinas”: “Precisa ter uma abordagem multifatorial, ainda falta um medicamento que mate o vírus e corte a cadeia de transmissão, como uma pílula do dia seguinte.”

Sobre acredita que “as vacinas, combinadas com distanciamento social e os eventuais medicamentos, vão controlar melhor a Covid-19.”

Mesmo reconhecendo que a taxa de mortalidade está caindo, o infectologista questiona que não é o momento para flexibilizações: “Por que deveria facilitar agora enquanto não tem quantidade maior de pessoas vacinadas, que é o que ajuda?”

“A gente deveria esperar mais, especialmente em encontros em locais fechados, como se a vacina fosse o goleiro, pega 50%, 80% das bolas, a nossa defesa pode ser boa, mas estratégia é montar uma retranca, para evitar a exposição, se o ataque é muito bom, vai tomar gol e tem que pensar que tem muito time sem goleiro ainda”, afirmou.

CNN Brasil

Opinião dos leitores

  1. Qualquer profissional da saúde que tenha, minimamente, compromisso com a verdade, irá ter essa mesma posição do infectologista. Ainda temos muito pouca gente imunizada, não temos um medicamento que trate a doença e relaxar as medidas de prevenção nesse momento é só preparar o caos novamente. Poderemos ter daqui a dois, três meses, hospitais sem leitos.

    1. Valeu Bolsovirus, enfim um comentário inteligente e verdadeiro. Tudo que temos está numa fase muito incipiente e primária, dizer que isso ou aquilo é a solução ou não, é precipitado e ilogico, temos que usar todos os recursos terapêuticos a mão, inclusive as vacinas, sem abrir de nenhuma medida de prevenção.

  2. Essa médico eh petista? Pq todo gado que se preze sabe que a cloroquina, ivermectina e ozônio retal eh a solução, a pílula mágica contra covid talkei! Kkk

    1. Vc é simplismente ridículo kkkkkkk, tenho pena da sua companheira, por ter que te aguentar 24 hs (número do bicho).

    2. A cada dia que passa, lendo esses comentários idiotas e sem nexo, me convenço mais a votar em Bolsonaro. É muita mediocridade desse povo da esquerda, umas conversas moles, uns pedidos a Deus sem sentido, uns assuntos pedantes, horrível e vcs continuem assim, estão fortalecendo a campanha do MITO.

    3. Gado e gada, continuem votando no MINTOmaníaco das rachadinhas… Eh desse tipo de eleitor que ele precisa mesmo: idiota e idólatra de político e governo corrupto… Vcs estão ficando piores que os petistas viu! Kkkk.

    4. Votei no PT inúmeras vezes. Quando leio esses comentários de esquerdistas fanáticos, sem argumentos, vou tendo a certeza de que estou contribuindo para aumentar a hipocrisia que muitos desses filiados e admiradores possuem. Chego a sentir vergonha. Se, pelo menos, fossem comentários bem feitos, eu aceitaria. O que se percebe é apenas a agressão gratuita.

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Saúde

Imunidade de rebanho para controlar Covid-19 é “falácia”, diz grupo de cientistas, em carta ao The Lancet

(Foto: Unsplash)

Nessa quarta-feira (14), 80 pesquisadores de vários países divulgaram uma carta em que apontam a imunidade de rebanho para a Covid-19 como sendo “uma falácia perigosa não suportada por evidências científicas”. O documento, publicado no periódico The Lancet, é assinado por especialistas em saúde pública, epidemiologia, medicina, pediatria, sociologia, virologia, doenças infecciosas, sistemas de saúde, psicologia, psiquiatria, política de saúde e modelagem matemática.

“É fundamental agir decisiva e urgentemente”, escrevem os pesquisadores. “Medidas eficazes para suprimir e controlar a transmissão precisam ser amplamente implementadas e devem ser apoiadas por programas financeiros e sociais que incentivem respostas da comunidade e abordem as desigualdades que foram ampliadas pela pandemia.”

O apelo é especialmente voltado às regiões que estão enfrentando uma segunda onda de infecções pelo novo coronavírus. Além disso, os cientistas chamam atenção para aqueles locais em que o número de casos de Covid-19 não variou muito desde o início da pandemia.

“Restrições contínuas provavelmente serão necessárias no curto prazo, para reduzir a transmissão e consertar sistemas ineficazes de resposta à pandemia, a fim de evitar bloqueios futuros”, afirma o documento. “O objetivo dessas restrições é suprimir com eficácia as infecções por Sars-CoV-2 a níveis baixos que permitam a detecção rápida de surtos localizados e uma resposta ágil por meio de sistemas eficientes e abrangentes de localização, testagem, rastreamento, isolamento e suporte, para que a vida possa retornar ao próximo normal sem a necessidade de restrições generalizadas.”

Os especialistas também explicam que a transmissão descontrolada entre os mais jovens traz riscos de saúde e morte significativos em toda a população. Por isso, ressaltam que são necessários esforços especiais para proteger os mais vulneráveis e que, para funcionarem, devem ser acompanhados de estratégias multifacetadas em nível populacional. “A proteção de nossas economias está intimamente ligada ao controle da Covid-19”, pontuam os cientistas. “Devemos proteger nossa força de trabalho e evitar incertezas a longo prazo.”

Eles também afirmam que não há evidências de que aqueles que já tiveram a doença tenham imunidade protetora duradoura ao Sars-CoV-2, e alertam que ter apenas uma imunidade decrescente ao novo coronavírus não encerraria a pandemia de Covid-19, mas resultaria em ondas repetidas de transmissão ao longo de vários anos. Esse fenômeno, por sua vez, poderia colocar populações vulneráveis ​​em risco indefinido.

Isso porque, conforme já foi observado anteriormente com outras doenças, estratégias de imunidade de rebanho baseadas em infecções que ocorrem naturalmente, isto é, passando de uma pessoa para outra, resultaram em epidemias recorrentes. O ideal, portanto, é suprimir a disseminação do vírus até a vacinação de boa parcela da população global.

Além disso, os autores alertam que as abordagens de imunidade de rebanho baseadas em infecções naturais podem impactar a força de trabalho como um todo e sobrecarregar a capacidade dos sistemas de saúde de fornecer cuidados agudos e de rotina.

“A evidência é muito clara: controlar a disseminação da Covid-19 pela comunidade é a melhor maneira de proteger nossas sociedades e economias até que vacinas e terapias seguras e eficazes cheguem nos próximos meses. Não podemos permitir distrações que minem uma resposta eficaz; é essencial que ajamos com urgência com base nas evidências”, concluem os pesquisadores.

Galileu

 

Opinião dos leitores

  1. Temos o maior exemplo de imunidade por rebanho em nosso país, há mais de um mês são praias cheias,bares lotados e aglomerações em todos os lugares e a quantidade de óbitos caindo.
    Comprova mais ainda que o isolamento vertical seria o ideal para convivermos com o vírus chinês, em raros momentos houve lotação nos hospitais.

  2. Tratam a ciência como uma bengala. "Você vai questionar a ciência?". Essa tal de ciência foi a que mais errou no manejo inicial da pandemia.

    1. Se o Sr. se desse conta que o acúmulo de conhecimento é o que faz a ciência avançar, nao faria esse comentário rasteiro.
      Óbvio que a ciência erra, mas sempre no intuito de acertar. E mesmo errando no início, os acertos foram muito maiores.
      Mas para argumentar com um povo que tomou o poder e seus terraplanistas, negacionistas que nao acreditam nem em vacinas, nao adianta nada. As notícias de WA são mais importante e confiáveis.

  3. Cada dia que passa notícias divergentes, existe um interesse gigante por trás disto tudo. A história vai passar a limpo.

  4. Mas, o Presidente da República pensa que sua própria opinião é melhor do que a Ciência…

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Judiciário

Justiça absolve Kassab de suspeita de favorecer a Controlar em SP

kassabcontrolarevelson-1024x715A Justiça absolveu o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab e o empresário Ivan Pio de Azevedo em ação penal sobre supostas irregularidades no caso Controlar – concessão para inspeção veicular na maior cidade do País.

A sentença, datada desta quinta feira, 16, é do juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez, da 7.ª Vara Criminal da Capital. No mesmo dia, como revelou o Estado, uma testemunha protegida da investigação da Máfia do ISS na capital paulista afirmou que Kassab teria recebido uma “fortuna” da Controlar, que teria ficado em seu apartamento até o início das investigações

O Ministério Público havia proposto a ação contra Kassab por suposta violação ao artigo 92 da Lei de Licitações, atribuindo ao ex-prefeito “concessão de vantagem indevida” à Controlar.

O contrato de concessão foi assinado em 1997, mas sucessivamente suspenso por decisões judiciais (liminares em ações civis públicas e ações populares), políticas (revisões e auditorias promovidas pelos sucessivos governos) e técnicas (questionamentos oriundos dos órgãos da Prefeitura, ligados à Secretaria do Verde e Meio Ambiente).

O juiz destacou que em 2005, quando da posse de Jose Serra (PSDB), “determinou-se que todos os secretários revisassem os contratos vigentes em busca de eventuais irregularidades, prática corriqueira no Brasil, por motivos de várias ordens que não vem ao caso aqui analisar”.

Ex-prefeito era acusado de favorecer empresa, mas foi absolvido pela Justiça nessa quinta. Foto: Evelson de Freitas/Estadão

“Na época, a Secretaria do Verde, de forma contrária ao entendimento das gestões anteriores, verificou duas supostas falhas na capacitação técnica e financeira da Controlar, concessionária do serviço até então ainda não executado: a) ausência de técnico especializado nos quadros da empresa; e b) ausência de capital social de no mínimo de R$ 30 milhões”, observa o juiz Valdez.

Diz a sentença. “O Ministério Público afirma que o réu Kassab conferiu à empresa vantagem indevida ao decidir manter o contrato, mesmo sabedor de que a Controlar não preenchia três requisitos para habilitação na licitação. Contudo, dos três problemas apontados pela acusação, dois deles não foram levados oficialmente ao conhecimento do prefeito e não são tratados no despacho tido como ilegal (disponibilidade dos terrenos e capital social). Ou seja, a acusação presume, sem elemento de prova que o autorize, que o réu Gilberto Kassab era conhecedor de todos os detalhes da concessão cuja licitação datava de 1996 e que há dez anos vinha suspensa por motivos variados. Tal presunção é inadmissível em sede criminal. Mais uma vez, não se está aqui no campo da improbidade administrativa ou da responsabilização política, mas na seara processual penal, onde ninguém pode ser responsabilizado por fato que foge ao seu conhecimento.”

“Em suma, após detalhada instrução e análise detida de toda a documentação juntada pelas partes, é certo que a decisão do ex-prefeito, o réu Gilberto Kassab, contestada pelo Ministério Público, não violou o disposto no artigo 92 da Lei de Licitações”, assinala o juiz. “Como consequência lógica, não há que se falar em concorrência dolosa do réu Ivan Pio de Azevedo.”

Defesa. O criminalista Pierpaolo Bottini, que defende Kassab no caso Controlar, disse que “a decisão foi correta e desfaz um mito que foi construído e repetido de que havia qualquer irregularidade nesse contrato, enfim, foi feita Justiça”.

Os advogados José Luís Oliveira Lima e Jaqueline Furrier, que defendem Pio Azevedo, consideram que o empresário “foi vítima de uma acusação manifestamente infundada”. “A absolvição do dr. Ivan Pio restabelece a Justiça. Felizmente, o Judiciário corrigiu o erro”, disse Oliveira Lima.

Estadão

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Polícia

Grupo pretendia levar inspeção a dez estados

Deu na Folha de São Paulo

O grupo preso sob suspeita de fraudar a inspeção veicular no Rio Grande do Norte pretendia implantar o mesmo serviço em dez Estados, afirma o Ministério Público.

A base legal e o modelo do programa que seria usado são os mesmos da Controlar, que faz a inspeção veicular em São Paulo e agora é alvo de processo na Justiça -a Promotoria paulista acusa a empresa e o prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD), de uma série de irregularidades.

A Controlar repassou ao consórcio potiguar, o Inspar, toda a sua tecnologia. Telefonemas e troca de mensagens gravadas com autorização judicial revelaram o acordo entre os empresários paulistas e os do Rio Grande do Norte.

As interceptações mostraram também que já estavam em curso negociações para a implantação do serviço em Alagoas, Paraíba e Ceará.

Os procuradores não revelaram os nomes dos outros Estados onde o consórcio pretendia implantar o projeto.

CAMPANHAS

A Promotoria do Patrimônio Público de Natal, que investiga o caso, apura também eventual ligação entre essas negociações e doações de campanha feitas em Estados de interesse do grupo.

Os promotores identificaram R$ 494.249 depositados por empresas ligadas a esses empresários na campanha à reeleição do ex-governador da Paraíba José Maranhão (PMDB), derrotado por Ricardo Coutinho (PSB).

A investigação também descobriu um contrato, de 31 de maio de 2010, em que o advogado George Anderson Olimpio da Silveira, suposto líder do esquema potiguar e um dos sócios da Inspar, empresta

R$ 140 mil para uma construtora, a Delphy, do seu ex-cunhado, Eduardo Patrício.

Meses depois, a Delphy doa R$ 140 mil -o mesmo valor do empréstimo- para a campanha ao Senado da ex-governadora Wilma de Faria (PSB), uma das investigadas por suspeita de envolvimento no escândalo da inspeção.

Ou seja, o Ministério Público desconfia que essa tenha sido uma maneira de a Inspar maquiar doações de campanha a agentes públicos.

CONSEQUÊNCIAS

A suposta fraude na inspeção veicular no Rio Grande do Norte já resultou na prisão de 13 pessoas, entre elas o suplente do senador Agripino Maia (DEM-RN), João Faustino (PSDB), subchefe da Casa Civil durante o governo de José Serra, em São Paulo.

Em São Paulo, Kassab, seu secretário do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, empresários da Controlar tiveram seus bens bloqueados.

O contrato da inspeção veicular paulistana foi assinado em 1996 pela gestão Paulo Maluf e ressuscitado por Kassab em 2007, apesar dos alertas de membros da administração sobre os problemas que isso traria.

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